PERFIL

Prazeres agridoces extraídos do pomar

Ele venera a cozinha clássica, mas não perde a oportunidade de provocar os sentidos dando usos inusitados para as frutas de época

Érica Araium
erica.nogueira@rac.com.br
07/07/2013 às 05:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 09:48

Sete anos atrás, quando começou a pensar em cozinhar (com mais afinco) com frutas, o chef Aldo Ferreira, restaurateur de cinco casas paulistanas, foi tachado de “maluco”. Há quem torça o nariz tanto às misturas agridoces quanto ao foie gras e ao caviar. Tem gosto pra tudo. Ainda assim (e também por isso), ele insistiu na investigação dos ingredientes brasileiros, causa assumida, inspirado, em grande parte, pelo hábito caipira de colher e consumir gabiroba do pé, tal fazia no pomar do mesmo sítio, lá em José Bonifácio (Interior de São Paulo), onde viveu parte da infância, observando a nonna preparar suas massas frescas. Parte dos estudos de Teixeira pode ser conferido em Cozinhando com Frutas (DVS Editora), obra recém-lançada.

Ao todo, 22 frutas são apresentadas ao leitor e estrelam receitas inusitadas de saladas, carnes, aves, peixes, massas e sobremesas. “O primeiro prato em que pensei e que está no livro foi o de um frango recheado com brie e molho de manga. Ninguém achou que daria certo. Afinei a receita e criei diversas outras a partir de muita pesquisa”, conta ele, que até fettuccine de chocolate desenvolveu. “No começo houve resistência e, por fim, aceitação. Acho que aos poucos, as pessoas vão se permitir experimentar mais, perder o preconceito com as frutas que encontram no mercado e colocá-las na panela. Meu objetivo, com o livro, é que elas facilmente reproduzam as sugestões em casa”, observa.

Das tantas coisas nativas que julgava haver, Teixeira percebeu que a maioria era, ao contrário, exótica. “Nem o abacaxi se salva. Jabuticaba e caju são dois dos nossos símbolos de fato, mas tantas outras têm origem chinesa. Ou meio africana, meio indiana – caso do tamarindo que brota no Centro-Oeste, e do qual nos apropriamos. Aliás, todo mundo acha que tamarindo, azedo, só presta pra suco. Aí é que está. Todos os produtos que brotam na nossa terra, e são muitos, cabem na panela. A gente tem que saber explorá-los”, pondera.

Foto: Divulgação Combinações ousadas: camarão com morangos, faisão com figo e lombo com damascos

Teixeira avalia, ainda, que o universo gastronômico só passou dar a devida atenção a cupuaçus, açaís e outros ingredientes regionais depois que chefs como o saudoso Paulo Martins e o estrelado Alex Atala desbravaram o nosso quintal. Trabalho, aliás, expandido para além do território amazônico por Mara Salles, do restaurante Tordesilhas, pelo premiado Bruno Stippe e pelo jovem Raphael Desperite, do Marcel. “Penso que a gente está só começando o processo de valorizar o que é nosso de um jeito mais curioso e consciente. Veja, caules e raízes de plantas como a angélica, que empreguei numa receita 20 anos atrás, têm aplicação em saladas e sopas. É só uma questão de observação e teste.”

O interesse pelo tema é tanto que Teixeira anda revisitando os blocos de anotações e ouvindo gravações de pesquisas que realizou atrás de verbetes que serão abordados num segundo livro, a ser produzido em parceria com a filha, a nutricionista Liliane Teixeira. “Duro, para um restaurateur como eu, é arrumar tempo para me dedicar a isso como deve ser realmente feito, mas vou dar um jeito. A introdução desse projeto pessoal, felizmente, eu já fiz e resultou em publicação”, pontua.

Foto: Divulgação Combinações ousadas: camarão com morangos, faisão com figo e lombo com damascos

Trajetória

Descendente de imigrantes italianos da região do Vêneto, Teixeira sempre esteve metido na cozinha atrás de aprender com a avó. Em 1976, ele arrumou emprego no tradicional restaurante Forchetta D’oro. Esperava tornar-se garçom e, a contragosto, foi declarado “o pia”, função que todo bom chef sabe que é essencial à cozinha. Aos poucos, ele foi se aventurando noutras praças e também no salão, até ganhar a dimensão do negócio e decidir, nos anos 80, cursar administração hoteleira, enologia e gastronomia no Senac. “Abria o restaurante às 8h e saía às 17h. À noite, voltava para o salão para aprender mais um pouco. Não me arrependo de tanto esforço. Afinal, ninguém sai de uma universidade chef de cozinha, como muita gente pensa. E, tal o chef Laurent Suaudeau defende, penso que aliar a prática à teoria é uma questão imperativa nesse ramo. Outra é nunca deixar de pesquisar”, observa.

Se não pensasse assim desde muito cedo, talvez Teixeira não houvesse chegado tão longe. Fato é que 16 anos depois de pisar no Forchetta D’oro (que estava em crise financeira), achou que devia comprar o restaurante, tornar-se chef e mudar por completo o menu. Mirou o óbvio. Aboliu os congelados, lançou mão de ingredientes frescos e das frutas de que tanto gosta. Três meses depois, o faturamento da casa havia crescido 30% e a crítica só tecia elogios ao novato.

Ao sabor da estação

Depois de honrar a cozinha clássica italiana nos quatro primeiros restaurantes – La Forchetta, La Terrina, Fior d’Itália e Il Papavero –, assumindo as próprias raízes, Teixeira encampou seu Tuhú, de levada bem brasileira. A começar pelo nome, que remete ao apelido que o compositor Heitor Villa-Lobos tinha na infância. Para todas as casas, a mesma premissa: renovação do menu de dois em dois anos e ode à sazonalidade.

“A cozinha evoluiu muito e boa parte da responsabilidade pela nossa mudança de mentalidade é dos chefs franceses que vieram pra cá e pesquisaram muito sobre os nossos ingredientes, a exemplo do Suaudeau, que merece ser reconhecido sempre. Respeitar a sazonalidade é uma questão de coerência e de respeito com o produto”.

O chef também demonstra apreço pela valorização nutricional dos alimentos – persegue saídas mais saudáveis para os pratos – e pela necessária releitura de receitas clássicas. “Se resolver exagerar na manteiga numa receita, tal fazíamos na década de 1970, serei nocivo com meu cliente. Tenho que encontrar outras formas de agregar e revelar sabor, de interpretar e executar as receitas tradicionais considerando os tantos avanços da contemporaneidade”, aposta.

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