Tomas não estava em busca de romance algum, quando subiu no trem de Praga até uma pequena cidade da Boêmia, a uns 200 quilômetros. Tampouco quando pediu um conhaque à moça do bar antes de voltar ao hotel. A tarde estava fria. Ele estava cansado. O lugar era simplório e ruidoso. Quem sabe desejasse algo distante: seu imperturbável apartamento para onde voltava todas as noites ao sair do hospital. Sem expectativa mínima que fosse, foi surpreendido pela discreta beleza da garçonete que o serviu. Era diferente das mulheres voluptuosas que Tomas levava para casa, variando-as sob a "regra de três": pode-se ver a mesma mulher seguidamente, mas é preciso desaparecer após a terceira vez. Ou, então, vê-la durante longos anos, mas com a condição de deixar passar pelo menos três semanas entre cada encontro. Esse método era necessário, explicava Tomas aos amigos, para que sexo não fosse confundido com romance. Equacionar relações tão distintas fazia com que a leveza da amizade erótica cedesse à voracidade do amor. Onde há amor, há exigências intermináveis que o homem tentará quixotescamente atender. Todos os dias novos favores, esforços e concessões. Por fim, descobrirá, exausto, que fracassou - tudo o que fez ainda foi pouco. Tomas não admitia reviver esse enredo. Por isso, também, jamais dormia aninhado a uma mulher: antes da meia-noite, a levava embora de seu apartamento, deixando inequívoco, com essa interrupção do sono morno entre pernas enlaçadas, que a relação era, por natureza, casual e efêmera. Não haveria futuro; no melhor dos casos, umas poucas horas de excitação mútua - se ele quisesse. Ou nunca mais. Seus anos de encontros e, sobretudo, seu desastroso casamento, o ensinaram a desconfiar das mulheres. Sentia medo delas. Ódio, até. Num descuido, eram capazes de invadir e dominar, como um exército inimigo que avança, sorrateiro, na escuridão noturna. No dia seguinte, sentados num banco amarelo da praça central, Tomas conversou com Tereza até a hora de seu trem voltar a Praga. Divertiram-se naquelas horas. Ela tinha os cabelos presos com fivelas e usava um vestido estampado de florzinhas, quase infantil. Por alguma razão era atraente. Tomas entregou-lhe um cartão com seu telefone e endereço (Falava num tom cortês e Tereza sentiu sua alma projetar-se por todas as veias, todos os capilares, todos os poros, para ser recebida por ele). Não imaginava que a encontraria em breve, febril, batendo à sua porta. Não imaginava que a convidaria para ficar. Ele sentiu então um inexplicável amor por essa moça que mal conhecia. Tinha a impressão de que se tratava de um bebê que fora deixado numa cesta, untada com resina e abandonada sobre as águas de um rio, para que ele a recolhesse no regaço de seu leito, narra Milan Kundera em A insustentável leveza do ser. Um bebê numa cesta é inofensivo - nada impõe ou ameaça. Apenas existe inocentemente, adormecido pelo balanço das águas. Morrerá se não estendermos os braços para o alcançar, seja por receio ou maldade. Tomas não sentiu medo de Tereza - ele a resgatou e, ao fazê-lo, aquietou em si próprio a luta permanente contra o risco de sofrer. Não foi a primeira vez que um encontro inesperado reescreveu o destino. Uma das histórias mais conhecidas da literatura mundial - As mil e uma noites - conta a saga do rei Sahriyar, desde a descoberta da infidelidade de sua esposa, que secretamente era amante de um escravo do palácio, até conhecer Sherazade, condenada a ser mais uma virgem entregue ao rei para satisfazê-lo por uma única noite e, logo ao amanhecer, ser executada. Eram seus atos insaciáveis de revanche: estuprar e assassinar. Na cama do rei, suas vítimas aflitas tornavam-se objetos descartáveis. Não havia chance de ser traído novamente - não por uma mulher. Se adiou o sacrifício de Sherazade, foi porque as histórias que ela contava o envolviam num manto reconfortante de palavras. Queria ouvir a continuação no dia seguinte. Como acabar de vez com aquela voz que acalmava sua ira vingativa e o fazia dormir levado por sonhos? Ele a mataria, como a todas as mulheres que possuiu à força. Não imaginava que desejaria mais uma noite, e depois mais outra - "mil e uma" - o que é uma bonita forma de dizer "para sempre". O que, afinal, leu naquele primeiro encontro? Que acaso foi esse a juntar uma mulher que desejava falar e um homem que desejava ouvir? Kundera, novamente: Para que um amor seja inesquecível, é preciso que os acasos se juntem desde o primeiro instante, como os passarinhos sobre os ombros de São Francisco de Assis. Em todos os lugares do mundo, a todo instante, uma revolução acontece. Mario Quintana, aqui perto de nós, teve essa sorte. Ou quis essa sorte? Para alguém, surgida por acaso - num bar, num banco de praça ou num devaneio feito de esperança, não importa - escreveu Canção do amor imprevisto. Eu sou um homem fechado. O mundo me tornou egoísta e mau. E a minha poesia é um vício triste, Desesperado e solitário Que eu faço tudo por abafar. Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada, Com o teu passo leve, Com esses teus cabelos… E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender nada, numa alegria atônita… A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil Onde viessem pousar os passarinhos. Não desejo a ninguém "Feliz 2019". Desejo a sorte do amor imprevisto, a súbita e dolorosa alegria que a vida misteriosamente oferece vez ou outra.