RODRIGO DE MORAES

Pontinho azul

Rodrigo de Moraes
08/04/2015 às 05:00.
Atualizado em 23/04/2022 às 16:55
Rodrigo de Moraes, colunista, editor, Correio Popular ( Cedoc/RAC)

Rodrigo de Moraes, colunista, editor, Correio Popular ( Cedoc/RAC)

No vasto Oceanário de Lisboa, em uma seção dedicada à conservação dos oceanos, um vídeo narrado por Carl Sagan (1934-1996), famoso por 'Cosmos', livro que virou série de TV, refere-se à Terra como um “pontinho azul-pálido” flutuando no espaço, apequenada, quase obliterada pela vastidão do universo. E, no entanto, diz Sagan, o homem insiste em sua soberba, no ódio, na cobiça, e ignora a sua própria insignificância. “Pense nos rios de sangue derramados por todos aqueles generais e imperadores, para que, na sua glória e triunfo, pudessem ser senhores momentâneos de uma fração de um ponto.” O autor, dizem, inspirou-se em uma foto do planeta tirada a cerca de 4 bilhões de quilômetros de distância. A imagem, na qual a Terra ocupa espaço de 12% de um pixel, foi captada pela Voyager, primeiro artefato criado pelo homem a deixar o sistema solar, em 1990. Acho admirável coisas como a Voyager, são uma celebração do engenho e intelecto humanos. Não representam, porém, a vitória da razão, haja visto os últimos acontecimentos, em Brasília ou em Hatra. Sagan, no texto em que se refere ao “pontinho azul-pálido”, faz um apelo para que o homem perceba a sua insignificância e passe a usá-la para avaliar suas próprias atitudes. O vídeo, narrado pelo próprio, é tocante. E é curioso que seja tocante ao mesmo tempo em que mostra o óbvio: por mais que a humanidade insista em suas ilusões de grandeza, sabe que suas aspirações e feitos nada significam frente à vastidão do tempo e do espaço. A cor azul pálida (em tempo: o que difere o azul-pálido do azul-claro?) desse “pontinho” deve-se à presença de água, oxigênio e ozônio na atmosfera. Esses elementos refletem e difundem a luz do sol em um comprimento de onda que, aos olhos humanos, é percebido como um tom de azul. Cético como todo cientista que se preze, Sagan dizia que a comprovação da existência de vida extraterrestre, o que seria algo extraordinário, deveria fiar-se somente em “provas extraordinárias”, que até hoje não surgiram. O que há de novo nesse campo, o da busca por vida em outros planetas, afirma reportagem de Nicola Twilley no site da 'The New Yorker', é um método que se baseia justamente em cores. Em estudo publicado na 'Proceedings of The National Academy of Sciences', um grupo de cientistas — entre eles o brasileiro Ivan Paulino Lima, da Nasa Ames Research Center, na Califórnia — anunciou a criação de um catálogo de 137 “bioassinaturas”, que são as cores que os seres vivos (microscópicos, no caso) refletem quando iluminados. Essa biblioteca, aberta à consulta, é formada por “assinaturas” que variam desde o amarelo-ovo do Halorubrum chaoviator, organismo unicelular encontrado no sal do Oceano Pacífico, ao verde azulado profundo da Dermocarpa violacea, bactéria coletada em um aquário em La Jolla, na Califórnia. Essa paleta de cores pode servir como referência a astrônomos que, ao voltarem seus telescópios para o espaço profundo, percebam matizes na superfície de astros longínquos. Quem sabe estarão olhando para um planeta com vida em estágio inicial de formação, semelhante ao que a Terra experimentou há bilhões de anos? E, quem sabe?, daqui a outros bilhões de anos, seres hipotéticos desse planeta idem, ao olharem do espaço para si mesmos, vejam um pontinho fúcsia, ou verde-limão, e se deem conta de sua pequeneza diante do infinito e do quão vãs são suas glórias, desejos de conquista e dominação sobre seus semelhantes.

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