CONSCIÊNCIA

Política e cidadania em sala de aula

Projeto introduz ações eleitorais e trajetórias de políticos ao conteúdo escolar de alunos do 9º ano

Fabiano Ormaneze
09/07/2013 às 08:24.
Atualizado em 25/04/2022 às 09:25

As aulas da professora Guiomar Maria Berton, na Escola Estadual Orosimbo Maia, no Centro, em Campinas, transformaram-se quando ela decidiu dedicar duas aulas por semana para discutir política e cidadania, ao mesmo tempo em que os conteúdos de língua portuguesa – como estrutura dos textos, gêneros do discurso e gramática – tomam forma nos cadernos das turmas.

A iniciativa começou em 2006 e é aplicada para alunos do 9º ano. Desde então, a atividade se repete anualmente e o resultado são estudantes mais motivados, uma discussão interdisciplinar e o auxílio para a formação de uma consciência política cerca de dois anos antes de os estudantes irem às urnas escolher seus representantes.

O projeto desenvolvido por Guiomar ganhou o nome de “O jovem eleitor no exercício da própria cidadania” e começa com a exibição de filmes que abordam campanhas eleitorais e trajetórias de políticos, reais ou fictícios, como é o caso de “Lula, o filho do Brasil” (direção de Fábio Barreto, 2009) e “O Bem-Amado” (direção de Guel Araes, 2010). A partir dos filmes, a professora inicia uma discussão sobre o papel de um representante eleito pelo povo, a diferença entre uma democracia e uma ditadura e também as etapas de uma campanha eleitoral. Com isso, ela já consegue envolver outras disciplinas, como é o caso de história e geografia. “Com o tempo, o projeto ganhou a adesão de outros componentes curriculares. Em história, os alunos discutem o governo militar e, em geografia, a partir dos filmes, é possível abordar problemas sociais brasileiros como a violência, o desemprego e o êxodo rural, além de mostrar a importância da atividade sindical, entre outras temáticas”, explica a educadora.

Depois das sessões de cinema e dos debates, a professora divide a turma em grupos de seis ou sete alunos. A tarefa de cada um é montar uma campanha eleitoral. Assim, um dos integrantes passa a fazer o papel de candidato e os demais encarnam os marqueteiros e assessores. A professora sempre aproveita as eleições mais próximas para decidir os objetivos da campanha: quando é a Prefeitura que está em disputa, a classe tem seus candidatos a prefeito. Quando é o Palácio do Planalto, surgem os futuros presidentes da República.

Os alunos criam, então, uma sigla partidária diferente das existentes e que precisa resumir o que eles acreditam ser a proposta da equipe. Em seguida, fazem uma pesquisa sobre os perfis dos principais líderes políticos no Brasil e no Exterior, além de buscar dados estatísticos sobre os principais problemas brasileiros e da cidade, para os quais precisam propor soluções durante a campanha fictícia. Para isso, Guiomar utiliza dois grandes aliados: o jornal impresso e a internet. “Vou explicando aos alunos como fazer uma pesquisa consciente, cruzando dados. Eles vão em busca de informação e, assim, várias disciplinas são envolvidas. Até para o professor de matemática eles acabam pedindo ajuda na hora de interpretar dados numéricos”, conta.

Gêneros Textuais

Com base nas pesquisas, os alunos escrevem a biografia do candidato que o grupo imaginou e que passa a ser encenado por um dos alunos. Nessa etapa, a professora começa a trabalhar um dos conteúdos previstos para as aulas de português: os gêneros textuais. “Depois de elaborarem a biografia, eles começam a pensar um plano de governo e também os textos argumentativos que vão servir como sustentáculo e convencimento para atrair o eleitorado”, explica. Essa é, de acordo com Guiomar, uma das fases mais marcantes e importantes do trabalho, pois a partir da produção dos textos vão sendo trabalhados não só competências linguísticas, mas também de oratória e temas de formação humanística, como cidadania e consciência política. A importância de revisar um texto e reescrevê-lo antes de torná-lo público também é abordada.

Ainda no trabalho com gêneros textuais, os alunos aprendem a produzir propagandas e notícias para serem veiculadas em jornais, como se fossem a cobertura da campanha eleitoral. Há um momento também em que os alunos entrevistam o candidato antes de produzirem uma reportagem. Há ainda os responsáveis por fazer, com a ajuda da professora de educação artística, os “santinhos” e os jingles de campanha. Entra aí outro conteúdo da disciplina: a elaboração de paródias.

Conscientização

Nos anos em que o projeto coincide com a campanha eleitoral, os alunos conseguem acompanhar o passo a passo das atividades conforme a própria disputa pelos cargos eletivos corre pelas ruas. “É muito interessante, porque eles trazem exemplos do que estão estudando em sala de aula. Na reunião de pais, as famílias também relatam que os alunos estão prestando atenção na propaganda eleitoral, incentivando os pais a assistirem aos programas na TV. Houve uma vez, em que uma mãe me contou que, mesmo que solicitasse, o filho não desligava a televisão na hora do horário eleitoral gratuito e a obrigava a assistir e discutir. É assim que percebemos que o projeto dá resultados”, lembra-se Guiomar.

Nos anos ímpares, em que não há eleições, o trabalho ocorre da mesma forma, no entanto, com o apoio de pesquisas na internet para conhecer e discutir as estratégias do marketing eleitoral. “O objetivo é fazer com que os alunos percebam como os candidatos querem convencer o eleitor e, com isso, eles aprendam a diferenciar o que é só retórica e o que é proposta de transformação.”

Os estudantes também encenam um debate eleitoral, como se fosse transmitido pela televisão e, na sequência, uma eleição é simulada. Na apuração, na maioria das vezes, vêm surpresas. “É comum que haja alunos que não votam nos candidatos que fazem parte de seus grupos, pois eles adquiriram a consciência de analisar propostas e sabem escolher os argumentos que os convencem”, conta.

Disseminação

O trabalho da professora Guiomar é desenvolvido anualmente na escola Orosimbo Maia, em que ela é efetiva no cargo, mas, nos últimos anos, também já foi aplicado em outros colégios públicos, como é o caso da Escola Estadual Francisco Glicério, onde ela lecionou no ano passado para completar sua jornada de trabalho conforme prevê a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.

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