Testemunhas identificaram agentes que são acusados também de corrupção e tortura
Policial Militar conduz um dos traficantes presos para prestar depoimento (Érica Dezonne/AAN)
Em reconhecimento feito na terça-feira (23) no Ministério Público (MP), 11 testemunhas, entre supostos traficantes e seus familiares, confirmaram aos promotores a participação de policiais civis em ações ilegais na região do São Fernando, em Campinas. Os investigadores do Departamento Estadual de Repressão ao Narcotráfico (Denarc) são suspeitos de terem praticado corrupção, extorsão, tortura e sequestro contra líderes do tráfico na cidade ligados à quadrilha de Wanderson Nilton de Paula Lima, o Andinho, como forma de obter dinheiro para liberar a venda de drogas na região. Além do reconhecimento, cinco policiais também prestaram depoimento à Promotoria e negaram a participação nos crimes.Os oito policiais do Denarc presos há pouco mais de uma semana foram trazidos ontem para Campinas, assim como supostos traficantes e familiares que teriam sido vítimas dos investigadores. Os dois policiais do 10 Distrito Policial da cidade também estiveram no MP, mas se negaram a participar do reconhecimento por orientação da defesa, que considerou o procedimento ilegal.Segundo os promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), os depoimentos e o reconhecimento feito pelas vítimas comprovaram as informações do relatório da investigação que aponta o envolvimento dos policiais civis em crimes na cidade. “Na verdade, as ações de hoje (ontem) confirmaram tudo o que a gente já sabia. O Gaeco não tem dúvida alguma de que os fatos aconteceram como foi revelado durante as investigações. Agora, vamos tentar limitar a exata participação de cada um no esquema”, afirmou o promotor Ricardo Schade.Entre as testemunhas que compareceram no Gaeco, estavam um dos operadores do tráfico no São Fernando, Aguinaldo Aparecido da Silva Simão, o Codorna; Lucas Escotão, Carlos Alberto de Souza, o Frango, e as duas mulheres que relataram aos promotores terem sofrido tortura por parte dos policiais, Janaína de Souza Ribeiro, a Neguinha, e Monique. Com exceção de Monique, todos estão presos. Ao deixar a sede do MP, Janaína — que relatou ter levado choques e ter apanhado durante horas dos policiais do Denarc para revelar onde estava um dos traficantes —, disse à imprensa que reconheceu os policiais. “Eu reconheci sim os pilantras. Não sei quantos, mas pelo menos três”, afirmou. Janaína foi levada de volta para a Penitenciária Feminina de Santana, na Capital.Segundo relatório da Promotoria, Janaína e Monique passaram horas nas mãos dos policiais do Denarc, apanharam e tiveram suas prisões forjadas pelos investigadores com o aval do delegado Fábio Alcântara, que continua preso. Elas foram “pegas” pelos investigadores por terem sido vistas conversando com Escotão, um dos supostos traficantes do bairro. Monique foi liberada, mas Janaína permanece presa em razão da suspeita de sua ligação com o tráfico. AcareaçãoOs promotores previam fazer ontem uma acareação entre os acusados, o que foi descartado em meio aos depoimentos. “Pelo teor do que foi dito pelos policiais, nós não vislumbramos a necessidade de uma acareação entre eles. Nada impede que isso seja feito no futuro, depois da análise do processo e de todas as provas”, afirmou Schade. Dos sete policiais da Capital que estiveram ontem em Campinas, dois se negaram a falar e o restante prestou esclarecimentos aos promotores, mas negou a participação nos crimes.Dos 13 policiais investigados, três permanecem foragidos. O delegado Clemente Calvo Castilhone Júnior teve seu pedido de prisão revogado na última semana após prestar esclarecimentos. Castilhone é coordenador do setor de inteligência do Denarc e acabou preso em razão da suspeita de ter vazado as informações da investigação do MP.RevogaçãoOs promotores também pediram ontem a revogação da prisão do investigador do Denarc Rodrigo de Longhi Gomes de Mello após os reconhecimentos. “Como o Gaeco trabalha com 100% de convicção, no caso do Rodrigo, uma das testemunhas titubeou no reconhecimento, teve dúvida e, por cautela, optamos por pedir a revogação. Mas nada impede que num momento posterior, se surgirem novas informações, que o pedido de prisão seja novamente feito. Isso não quer dizer que ele não tem envolvimento nos fatos”, afirmou Schade.