HENRIQUE NUNES

Pode dar bandeira, Fernanda

Henrique Nunes
14/05/2014 às 22:53.
Atualizado em 26/04/2022 às 23:57

Não quero dar bandeira ou, sei lá, aproveitar estas linhas quase sempre em impedimento para traçar um esquema tático infalível no campo esburacado da vida. Porque para certas coisas não há prancheta, tampouco o surrealismo dos números: quatro, quatro, dois, três, cinco, dois, quatro, três, três. Mas não quero passar o tempo simulando faltas na entrada da área, muito menos forjar aos olhos do mundo um tapa que nunca levei. Agora, diante do absurdo de bananas jogadas a esmo e erros grotescos da nossa arbitragem, venho aqui lançar-me ao ataque, numa contradição cara aos grandes gênios da bola, para defender o direito de errar de cada um de nós.“Herrar é umano” alerta um grafite traçado com letras firmes e talentosas num muro qualquer desta cidade que ainda insiste em levantar a bandeira para impedir a cultura de marcar os seus golzinhos — craques campineiros como Nénão, Dimi, Moai, Gui e Audi sabem do que eu estou falando. E errar é ainda mais humano quando quem erra tem talentos, digamos, mais vistosos como os de Fernanda Colombo Uliana.A bela bandeirinha, na verdade, ainda está com a conta em alta: diante da péssima qualidade do nosso futebol, todos nós deveríamos apenas agradecê-la por aceitar a bucha de ficar à beira do abismo-gramado de um clássico entre Atlético Mineiro e Cruzeiro. E os mineiros, que Otto Lara Resende acusou com sarcasmo e ironia de serem poucos solidários, mostraram ao País e às revistas femininas como um homem não deve se comportar diante de uma mulher. E que o machismo, na melhor das hipóteses, deve ficar restrito apenas ao balcão do botequim.Quando atinge os microfones, vira misoginia e foi justamente isso o que cometeu Alexandre Mattos, diretor de futebol cruzeirense, os torcedores e boa parte da imprensa boleira. O erro de Fernanda foi grave, mas muito menos grave, por exemplo, do que o que cometeu Luiz Antônio Muniz de Oliveira na final do Campeonato Carioca. A diferença? Além da relevância da partida, apenas o fato de um ter sido cometido por um homem e outro por uma mulher.Gostaria, sim, de ver Fernanda (ah, Fernanda) sem bandeira, sem chuteira, mas com muita besteira em alguma revista masculina. Mas gostaria de verdade é que dessem mais uma chance para ela trabalhar no esporte que condena o racismo, mas faz campanha em prol do machismo. E outra: se os machões que comandam o futebol gostam tanto de mulher como tentam aparentar, o mínimo que devem fazer é manter uma bela representante da espécie em seu quadro de funcionários. Errando ou não, Fernanda merece.

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