Para nós que temos deficiência visual, o piso tátil é um recurso de acessibilidade imprescindível. Ele torna claro o nosso caminho, e nos direciona em relação aos pontos onde queremos chegar. Nos lugares em que há este recurso, nós nos sentimos seguros e não nos perdemos, porque a referência que ele oferece é constante e precisa.
Os usuários cegos sabem que existem dois tipos de piso tátil: um deles, constituído por barras horizontais, é chamado piso direcional, e serve para nos orientar quanto ao sentido do percurso. O outro tipo, formado por um conjunto de bolinhas, se denomina piso de alerta, e serve para nos comunicar sobre a presença de um obstáculo, frente ao qual necessitamos parar ou mudar a nossa orientação.
Se em todo local público houvesse piso tátil, não teríamos problemas de mobilidade. Nossos empecilhos, nesta área, não se relacionam à presença de escadas, como muitas pessoas pensam, mas sim, à falta de referências, que nos torna incapazes de caminhar com segurança e autonomia. O piso tátil é então uma ferramenta que nos faz enxergar o caminho, equiparando-nos àqueles que podem ver.
Para além de abordar este recurso de acessibilidade tão importante, quero criar uma metáfora para apresentar um outro recurso, este, por sua vez, subjetivo e não objetivo, de natureza interna e não externa. Quero propor uma reflexão sobre o nosso caminho interior, sobre o caminho que trilhamos em nossa vida. Quando viemos para este mundo, tínhamos já estabelecida uma trajetória a seguir. A todos foi dada uma missão, a ser cumprida segundo um roteiro que a orienta e que garante a realização dos nossos propósitos. Entretanto, aqui neste mundo, nossa visão interior ainda não é tão clara, de modo que, não raro o caminho se torna incerto e obscuro. Frente a essa deficiência visual de ordem interna e psicológica, surge inevitavelmente a pergunta: Ora, Como podemos compreender nosso roteiro e construir com sabedoria o curso de nossa história?
Curiosamente, conforme vamos amadurecendo, nos tornamos capazes de fazer uma interessante descoberta: Compreendemos que dentro de nós também existe um piso tátil! Há um recurso de acessibilidade para quem está aprendendo a caminhar, e para quem está em busca de seguir seu próprio roteiro.
A exemplo da ferramenta concreta, há, da mesma forma, dois tipos de piso tátildentro de nós. O piso direcional nos mostra a linha da nossa trajetória e nos faz andar seguramente por ela.
Quando pisamos nesta linha e sentimos as barras sob nossos pés, sabemos que tudo vai bem, e que as coisas fluem naturalmente. Progredimos em nossa profissão, e atraímos para perto de nós pessoas especiais, que nos ajudam a trabalhar e a sermos sempre mais felizes.
O piso de alerta, por sua vez, se refere aos inúmeros sinais que recebemos, nos informando sobre possíveis barreiras e impedimentos, dos quais precisamos desviar, para continuarmos a seguir a linha certa. Estes avisos podem vir por meio das falas de pessoas queridas, por meio de leituras que fazemos, ou por meio de um estímulo aparentemente sem nenhum significado.
Nosso problema recorrente é que, muitas vezes, não prestamos atençãonestes sinais de alerta, e, inadvertidamente, saímos da linha. Estes são os momentos de aflição, de dor, de escuridão, de dúvida, ocasiões em que nos sentimos frágeis e desorientados.
São momentos muito importantes, para que possamos reencontrar nosso verdadeiro percurso. Nem sempre é fácil reconhecermos esse piso tátil interior, porque sua presença compete com outras informações e apelos. Para senti-lo, precisamos contar com nossa intuição e com nossa sensibilidade. É do coração que vem o sentido do tato interno, e é de lá que vêm as coordenadas do nosso caminho. Quando descobrimos este valioso recurso de acessibilidade, que recebemos de presente e que está realmente dentro de nós, podemos usá-lo a nosso favor, buscando crescer e desfrutar da vida em toda a sua plenitude.
*Fabiana Bonilha, Doutora em Música pela UNICAMP, psicóloga, é cega congênita, e escreve semanalmente no E-Braille. E-mail: [email protected]