RODRIGO MORAES

Piloto de simulador

09/04/2014 às 05:00.
Atualizado em 27/04/2022 às 01:27

Tenho paixão por aviões. É algo que me acompanha desde pequeno, essa fascinação por máquinas voadoras. Tenho especial apreço por aquelas que operaram na 2ª Guerra Mundial, e estou consciente do paradoxo que isso representa: não seria obsceno, doentio, sentir encanto por instrumentos de morte e destruição? Bem, se assim fosse, eu e um incontável número de admiradores desses aparelhos poderíamos ser categorizados como seres anômalos, portadores de um fratura psíquica irremendável; sádicos até, insensíveis ao sofrimento alheio. Pelo menos até onde me conheço, não é. Trata-se do encanto pelo engenho humano — que no meu caso não contempla carros ou motos, incapazes de alçar voo e andar de cabeça para baixo. É algo muito antiga essa minha paixão, remonta à infância e certamente foi influenciada por meu pai, que, jovem, foi piloto com brevê, e meu tio, Rubem, que foi além e ganhou experiência de voo a ponto de fazer acrobacias, além de construir seu próprio biplano, um minúsculo modelo de série chamado Baby Lakes. Várias vezes visitei um museu aeronáutico quando pequeno em Milwaukee, Estados Unidos, levado pelo meu pai. Inúmeros kits Revell de caças e bombardeiros, americanos, alemães, ingleses e japoneses, montei precariamente, a cola vazando da junção das peças, pressionadas uma contra as outras, presas com pregadores e elásticos na vã esperança de que parecessem uma única peça quando o cimento líquido secasse. Há também algo de heroico na figura dos pilotos dessas aeronaves que talvez ajude a explicar essa minha fascinação. Afinal, a destreza, o sangue-frio, a racionalidade e a coragem atribuídos a eles não são coisas heroicas? Mais jovem, já acalentei o desejo de aprender a voar, e já estive próximo de me inscrever em um curso no então Aeroclube dos Amarais. Sei que nunca chegaria a pilotar uma daquelas máquinas de sonho, como um Mustang, um Focke Wulf ou um Corsair (que vi, majestoso com suas asas de gaivota, no Museu da TAM, em São Carlos), mas me sentiria muito feliz, realizado até, no comando de um Cessna ou de um bravo Paulistinha. Mas esse tempo já foi, e hoje o medo é maior (aprendi que o destemor é algo que se esvanece com os anos). Assim, me contento com os simuladores de voo, que mal e mal sei manejar. Um deles é um aplicativo para celular chamado Historical Landings (“pousos históricos”), que reproduz cenários da 2ª Guerra e aeronaves idem. Para mim, o grande desafio é pousar corretamente (quer dizer, ou pousa-se ou espatifa-se, não há meio termo), operação que requer extrema concentração, porque há que se levar em conta velocidade e ângulo de aproximação do avião, que balança sempre, além de alinhamento adequado com a cabeceira da pista. Claro que meus insucessos são em número muito maior que meus sucessos, mas sigo tentando. A propósito, nesta última e rarefeita categoria, a dos sucessos, reside um feito do qual até hoje me orgulho. A bordo de um P-38, avião bimotor de desenho singular, sobrevoei em rasante uma base japonesa no Pacífico e disparei um punhado de foguetes e rajadas sobre os aviões estacionados. Destruí uma meia dúzia deles, mas a artilharia anti-aérea atingiu o meu motor esquerdo. Ganhei altura para poder saltar de para-quedas se a situação assim exigisse (sim, o simulador oferece essa opção), mas continuei voando e logo vi uma base aliada se insinuar no horizonte. Minha situação era complicada: além do motor danificado, que exalava labaredas e fumaça preta, os japoneses haviam atingido o meu tanque de combustível. Conseguiria chegar até a base? Minha aproximação foi perfeita. Baixei flaps e trem de pouso, e, à medida que perdia velocidade, via a cabeceira da pista crescer à minha frente. Quando as rodas do P-38 tocaram o chão, percebi que havia feito o pouso mais perfeito de minha carreira de piloto virtual. Segundos depois, enquanto o bimotor ainda taxiava na pista, a hélice parou, por falta de combustível. Tivesse demorado mais um pouco para pousar, teria caído. Idêntico ao que se passou com protagonista de O Pastor, de Frederick Forsythe, drama aeronáutico que li e reli quando criança. Talvez por isso, senti um orgulho danado de meu sucesso de herói de faz-de-conta.

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