BEBETO

Pianista referência na música campineira prepara retorno

Marita Siqueira
17/10/2013 às 12:12.
Atualizado em 26/04/2022 às 03:40
O pianista campineiro Bebeto von Buettner casa, onde dá aulas particulares (Rodrigo Zanotto/Especial para AAN)

O pianista campineiro Bebeto von Buettner casa, onde dá aulas particulares (Rodrigo Zanotto/Especial para AAN)

Boas novas. Arno Roberto von Buettner, o Bebeto, 65 anos, pianista, está pronto para voltar à cena musical campineira após anos de um “autoexílio”. Considerado um mestre por diferentes gerações de instrumentistas, ele reinou em Campinas, nos anos 80 e 90, num período em que o jazz e a música popular de altíssima qualidade eram a trilha sonora de boa parte das casas noturnas. Formado em composição musical e regência pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) na primeira turma do curso, em 1979, voltou à academia como professor de Harmonia e Piano da Faculdade de Música do Instituto de Artes da Unicamp, entre 1994 e 1999.Como artista solo, lançou dois conceituados discos: Bebeto von Buettner I e II. Ao lado Jayme Pladevall (bateria) e José Alexandre Carvalho (contrabaixo acústico), formou o Solar Trio, grupo indicado ao extinto Prêmio Sharp na categoria melhor disco de música instrumental e que está de volta à ativa com um novo CD, Outono, na fase de mixagem. Estudioso da arte, quando ainda era estudante da Unicamp publicou, pela editora da universidade, uma análise das cadências de cinco concertos para piano de Heitor Villa-Lobos. Publicou, ainda, Expansão Harmônica: Uma Questão de Timbre (Irmãos Vitale), bastante usado por estudantes de música. Bebeto recebeu o Portal RAC em sua casa e conversou sobre carreira, decepções, lembranças e projetos futuros. Portal RAC — Quem é o pianista Bebeto? Depois de três décadas de carreira, você consegue definir como é seu estilo?Bebeto — Que difícil. Mas, não consigo, porque como não paro de estudar, sou influenciado todos os dias. Sei, por exemplo, que quando toco música popular tenho uma personalidade, uma coisa minha. Isso não significa que seja meu estilo. Eu gosto de música atonal, de música bem feita. Na verdade, é isso que me anima. Quando eu falo dessa personalidade, estou reproduzindo o que as pessoas dizem para mim, eu mesmo não tenho a mínima ideia. Você é considerado por muitos músicos o grande mestre de piano na música popular em Campinas. Vê isso com bons olhos?Dizem que sou?! Me dá orgulho. Eu sempre guardo uma coisa que o Tolstói (Leon Tolstói, escritor russo) disse certa vez: “Eu acho que arte é sinceridade”. Então, o fato de os amigos gostarem do meu trabalho significa que eu estou indo pelo caminho certo. Não dá para não ser sincero com música. Às vezes você tem vontade de passar mais coisas para o público, mas percebe que está exagerando. O importante é a lealdade que eu tenho com a música. Digo para meus alunos: “Você não precisa estudar por três dias, mas todos os dias você tem que dar um beijinho no piano, fazer um carinho, olhar para ele”. Se aluno chega aqui (na sala onde dá aulas, em sua casa), o piano está aberto e ele não mexer nele, não vai dar certo. E quem são os seus mestres?Ainda bem jovem, eu já tocava piano e recebi de presente de uma amiga algo maravilhoso. Vários discos do Debussy (compositor francês). Comprei umas partituras e não consegui tocar nada. Mesmo assim, ou talvez por isso, foi um grande mestre. Na mesma época, encontrei um outro músico — aliás eu ainda vou fazer um trabalho sobre ele —, o russo Scriabin. Estava de carro, dirigindo pela Consolação (movimentada rua de São Paulo), quando ouvi Scriabin na Rádio Cultura. Maravilhoso. Parei o carro só para prestar atenção naquele som de piano. Era parecido com jazz. Eu já tocava música popular e jazz. Porém, muito mais sofisticado, muito lindo. Comecei a só ouvir música erudita. Vendi meus discos de música popular e jazz baratíssimo para comprar os de música erudita. Meus amigos ficavam loucos comigo. Foi bom, comprei Mozart, Beethoven. Mais recentemente, entre seus estudos, teve alguma grata surpresa?Duas. Primeiro foi Richard Wagner. Eu sou descendente de alemães. O tio do meu pai era pianista, ele morreu e eu herdei uma relíquia de Wagner. A última ópera dele inteirinha para piano. Li duas vezes e vou ler a terceira. Gosto muito de Brahms (Johannes Brahms, compositor alemão) também. Você era uma das figuras artística mais estimadas da noite campineira. Por que se desencantou e parou de tocar?Eles (donos de casa noturnas) começaram a vender os pianos da noite. Só tinha em hotel, lugar assim, então não dava mais. Eu toquei numa época em que a noite era cultura, tinha os melhores músicos, as melhores cantoras. Quais eram os principais locais?Começamos na Adega dos Arcos, onde hoje é o Fran’s Café, próximo ao Centro de Convivência. Esse foi o primeiro lugar em que toquei; depois vieram outros que eu não me lembro muito o nome, mas todos tinham música boa. O Red Lion era fantástico. Eu inaugurei a casa e criei o jazz de segunda-feira. Vinha bastante gente de São Paulo, grupos importantes se formaram aqui. Eram profissionais de ótima linha. Essas casas davam liberdade para vocês fazerem o que bem quisessem, como escolher o repertório?Sempre tivemos liberdade total. A gente tocava música popular brasileira, bossa nova, que era bem legal. Por falar nisso, fiz um trabalho chamado Romantismo da Bossa Nova para dois pianos com o Luiz Giovelli, que foi meu aluno (Giovelli, inclusive, está fazendo uma tese de mestrado sobre as obras de Bebeto). Temos um demo com três faixas, mas eu tenho vontade de gravar um disco mesmo porque está muito bonito. O que te impede?Essa coisa de direito autoral dos compositores é tão caro. Vou te contar um coisa, eu tenho dois CDs, desculpe falar, mas são de primeira qualidade. Um eu fiz com o baixista Marcos Souza, chamado Baladas Brasileiras. As pessoas acham lindo, mas ninguém produz. Fiz um outro em São Paulo, com as últimas coisas de arranjo para piano com a minha concepção. Gosto demais dele, mas não saiu também. Na sua opinião, o que aconteceu em Campinas para que toda aquela efervescência cultural dos anos 80 e 90 se desfizesse?No caso do Red Lion mudaram os donos, mas uma coisa muito negativa que aconteceu em Campinas foi que um vereador fez a Lei do Silêncio e foi aprovada. Então, você podia trabalhar até as 22h. Conclusão: os melhores músicos que tocavam aqui foram embora. Eu sou campineiro, não gosto de falar isso, mas Campinas me parece uma cidade tão antiarte, tão cheia de donos, preconceituosa. Por exemplo: eu toquei várias vezes piano solo no Centro de Convivência e hoje eu nem tenho coragem de pedir porque se o cara negar para mim vou ficar muito chateado. Mesmo com essas intercorrências, podemos esperar por novos projetos?Eu não paro de estudar e de ter ideias. Não estou desanimado, apesar de tudo. Peguei agora a Suíte dos Pescadores, de Dorival Caymmi, fiz meus arranjos nas cinco peças. Apresentei uma vez, mas quero tocar mais. É uma mistura de influências de popular e erudito. O tema é popular, mas tem contrapontos, algo bastante sofisticado. E eu tenho um livro também para ser publicado, chamado Manual dos Acertos: Os Modelos Harmônicos da Música Popular. A Vitale (editora que publicou Expansão Harmônica, em 2005) não quis. Na verdade, eu tô desistindo um pouco de escrever, mas eu queria dar de novo vida ao meu lado artístico. E com o Solar Trio?Sim, bem lembrado. Gravamos um disco na Alive Music (estúdio de Campinas). Está fazendo mixagem. Sai este ano. Chama-se Outono. São músicas novas, inéditas e eu fiz também um tributo ao Johnny Alf, que era meu amigo. Você conviveu com ele?Muito. Nos conhecemos na noite e depois eu tive o privilégio de visitá-lo várias vezes na casa dele. Todos os discos possíveis do mundo ele tinha. Ele também gostava muito de ler. Tinha cultura. Gostávamos de conversar muito. O que ele deixou de legado para você?Aprendi com ele que valia a pena ser músico. Você chegou a duvidar disso em alguma vez?Cheguei. Mas isso é tudo muito romântico, de capricho, essa angústia do artista. Tudo filme! Imagina, eu fico louco sem música. Se eu ficar três dias sem, começo a sonhar. Já ficou um dia sem tocar piano?Só quando fiquei doente e no hospital, porque se estiver aqui em casa, também toco. E ainda hoje mantém uma rotina de estudos?Tenho rotina sim, mas é por amor, prazer. Quero conhecer música. Eu não sou um pianista que tem grandes técnicas porque não dá tempo. Se você estudar muito a técnica, não dá tempo de estudar a música, compor. Como e quando foi seu primeiro contato com o piano?Eu agradeço à minha mãe, dona Judith. Meu pai também foi importante, ele tocava flauta e tal, mas a minha mãe dava aula e a minha casa era uma espécie de conservatório. Tinha quatro pianos. Então, eu nasci no meio de pianos. Ela que me ajudou. Eu tive professor mesmo de piano. Aí depois eu fui fazer composição na USP (Universidade de São Paulo) até abrir aqui (na Unicamp), onde eu fiz o curso completo. O que o curso universitário te acrescentou?Acho que foi um contraponto, é muito difícil estudar sozinho. Eu entrei na faculdade porque queria estudar música e escrever sobre música. Até hoje é o caso. Não, não vou desistir. Eu resolvi escrever sobre música popular. Tem uma história que é muito verdadeira. A música chamada popular tem variantes. Está surgindo um produto muito inteligente em que você não vê o que é popular e o que é erudito. Essas influências se fundiram e isso é muito interessante. Eu também toco assim. O meu disco Piano Solo já era assim. Até hoje tem essa besteira de dividir, ou popular ou erudito. Isso é um grande preconceito, coisa de baixo nível intelectual de pessoas que não percebem essa mudança. Acredito que os jovens não têm mais isso. Daí a importância da universidade, onde tem música popular e música erudita, as pessoas se encontram, alunos fazem matérias de outro curso. Em que momento te deu o “start” de viver de música?Eu estava em fazendo psicologia em São Paulo. Peguei uma dependência e me enfiei no quarto para estudar. Lá, tinha também o meu piano. Olhei para ele, olhei o negócio chato que tinha de estudar. O exame era no outro dia. Aí, eu celebrei: “Não vou fazer mais essa m...”. Saí pra noite, toquei piano de canja, bebi, feliz da vida. No outro dia, fui falar com a diretora (da faculdade) e ela disse que já sabia que isso ia acontecer porque eu tocava nas festas e eles viam tudo aquilo.

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