Filme em cartaz em Campinas no Cineflix Galleria investe na delicadeza contrapõe-se à frenética dramaturgia atual
Cena do filme nacional 'Permanência', que tem direção de Leonardo Lacca ( Divulgação)
Delicadeza é a característica principal de 'Permanência' (Brasil, 2013), primeiro longa do pernambucano Leonardo Lacca. E o diretor e roteirista ganha inúmeros pontos porque a maneira como conduz o filme, em cartaz em Campinas no Cineflix Galleria, se contrapõe à exacerbação que vemos na frenética dramaturgia atual em que quase tudo tende a ser over, ruidoso, em alta voltagem. Em diversos momentos o espectador espera a explosão de um dos personagens — o ponto em que este percebe algo fora de lugar. E a expectativa faz sentido porque a artimanha dramatúrgica existe. Contudo, Leonardo prefere a contenção, apesar das fissuras expostas desde o princípio.Ivo (Irandhir Santos, no tom correto das intenções, crível e convincente) sai do Recife e desembarca em São Paulo onde abrirá uma mostra de fotos. Ele teria hotel à disposição, mas se hospeda na casa de um antigo amor, Rita (Rita Carelli) — hoje, casada. A tensão do prólogo no reencontro está menos acentuada do que no curta-metragem de Leonardo (Décimo Segundo, 2007, base de Permanência) porque este precisava contar uma história em poucos minutos. Ainda assim, trata-se de um incômodo prólogo, pois o afeto deles não acabou, como se vê nos gestos, na inflexão das vozes, nos silêncios, na respiração, nas lembranças. Mas as intenções fluem no subtexto, no não dito, nas entrelinhas. As fissuras permeiam o enredo: do amor que reacende, da dona da galeria — mesmo inconformado Ivo se submeterá aos caprichos desta —, de Isabel, a namorada do Recife, e do marido de Rita, Mauro (Sílvio Restiffe), gentil só formalmente. E há desconfortos menores, como o frio (e a frieza) de São Paulo e pequenas fricções: Ivo quer que se diga Recife Antigo em vez de Velho, finge que é brincadeira a sugestão de Mauro de vender tapioca, contraria-se com a visão da marchand quando esta se refere a ele como artista fora do eixo, e não leva em conta a grosseria de Mauro ao mencionar o preço do vinho e pedir cuidado ao abri-lo. Há outras intervenções sutis (que não soam discursivas ou didáticas) e recheiam os precisos diálogos de informações importantes por meio das quais se constroem os personagens e a história. Tarefa difícil que o roteirista cumpre muito bem. E, salutar que, sendo pernambucano, o filme não se passe fisicamente em Recife. Quase todas as recentes produções do estado miraram a capital, correndo o risco de acabar com o olhar viciado nas imagens e na temática — como ocorre com filmes e novelas cariocas e paulistas de diretores que não se cansam dos mesmos pontos de vista. Leonardo revela uma São Paulo desconhecida e longe da obviedade e escolhe um complexo caminho para não abandonar Recife: fala dele sem mostrar imagens; não se vê a cidade, mas ela está onipresente. Um exercício e tanto. E não haverá explosão (o que não significa ausência de tensão). Os personagens trafegam noutro tempo — o da delicadeza (como na canção). O que vemos é um inusitado triângulo marcado por pressão interna de cada personagem e que os atores expressam muito bem, apesar de nunca alterarem a voz ou os gestos. Entretanto, o drama existe. E o roteiro poderia fazer flashback, rememorar a natureza do romance, explicar quem são os personagens. Nada disso importa. Sabemos apenas que o fotógrafo Ivo fará a primeira exposição em São Paulo e se reencontrará com Rita, que casou com Mauro. Deste fio dramático, Leonardo constrói um filme raro no Brasil: acessível ao espectador sem ser óbvio e que exercita a linguagem cinematográfica sem ser hermético. E nós descobrimos um diretor sensível e sutil — outra raridade nacional.