iG - Fabiana Bonilha (Cedoc/RAC)
Ter um aluno com alguma deficiência deveria ser tão natural quanto ter um aluno com quaisquer outras características. Aliás, possuir uma infinidade de características diferentes é algo muito natural entre os seres humanos. Mas o fato é que, infelizmente, várias tentativas são feitas para tornar artificial e controlado aquilo que é natural e espontâneo.
Busca-se artificializar a condição humana quando se tenta criar ambientes e situações especiais para lidar com aquilo que afinal de contas é tão comum.
Muitas vezes, são, com esse intuito, inventadas palavras pretensamente técnicas ou carregadas de eufemismo, para se referir às características de algumas pessoas. São termos que visam a esconder as diferenças, ou a colocá-las em um lugar meio disfarçado. São termos que pretendem obscurecer os atributos pessoais, com um toque de falsa discrição.
A título de exemplo, outro dia fui surpreendida por uma professora que me disse ter, em sua classe, “dois alunos com necessidades”. “Necessidades de que?”, eu perguntei a ela. “necessidades especiais”, ela se apressou a dizer, como se ela apenas tivesse abreviado uma expressão aceitável.
Não é raro também ouvirmos falar, da boca de um professor, que ele tem, em sua turma, um “aluno de inclusão”, isto é, um aluno que, coitado, só por ser assim referenciado, já foi a priori excluído e discriminado.
Pior de tudo é quando uma instituição de ensino ou de atendimento especializado tem como bandeira, ou até como estratégia de Marketting, receber pessoas com deficiências. Nenhuma instituição deveria destacar, em sua forma de atuação, que recebe especificamente pessoas com determinadas características. Uma instituição que se preze, recebe, entre seus usuários, pessoas, quaisquer que sejam elas!
Afinal, o que importa, se para aprender, o aluno enxerga ou deixa de enxergar, ouve ou deixa de ouvir, anda ou deixa de andar, compreende tudo ou deixa de compreender?
O processo de construção do conhecimento é um caminho totalmente individual e singular, que, se for permitido, acontece de forma completamente independente das características das pessoas. A ninguém é dado o direito de controlar ou predizer a forma como outra pessoa aprende, e a ninguém cabe impedir que o outro aprenda em total equiparação de oportunidades.
Todo aluno, em sua singularidade, é especial, e deveria ser querido e amado por um educador que realmente se interesse por ele. Dizer que um estudante é mais especial do que outros é discriminá-lo em relação aos demais, porque implica em considerar que ele seja “mais diferente” que o restante da turma.
Atualmente, é tão precária A visão que ainda se tem sobre a inserção de pessoas com deficiências no ensino regular, que só nos cabe entender que temos um longo caminho pela frente. Podemos avistar, bem lá longe, um horizonte, uma perspectiva de um tempo em que as pessoas serão aceitas como são, sem subterfúgios nem pretextos.
Da minha parte, só sinto muito por não saber se eu ainda estarei viva até lá. De todo modo, no tempo em que fui designada a viver, me cabe lançar as sementes de um futuro que ainda há de vir.
*Fabiana Bonilha, Doutora em Música pela UNICAMP, psicóloga, é cega congênita, e escreve semanalmente no E-Braille.