Quando penso em um pôr de sol, sempre lembro da Ponte Preta, da minha Nega Veia. Lembro sempre do Ciasca, do Pitico, Bruninho, do ainda Dicá, quase mais menino, quase moço, dizendo com os pés para aonde a bola ia — e ela ia para onde ele quisesse. Dicá sempre conheceu os advérbios da bola. Mais um campeonato paulista e, mais uma vez, a lembrança de um canto de arquibancada, de um cimento abençoado por tantas emoções de um circo que ainda vive por lá, atrás de muros tombados pelo patrimônio histórico que, é claro, nada sabem dos calos, das mãos e tijolos que foram erguidos lá, definindo apenas limites políticos e econômicos contra toda uma história de emoção esportiva, de velhos e já mortos torcedores que ainda nos reclamam coragem contra a ambição mobiliária de aventureiros que desejam passar por cima de velhas e realistas atitudes: demolir um velho sonho pontepretano, e pôr ao chão o Estádio do Majestoso. E eis que o Guarani Futebol Clube está igualmente sofrendo da mesma incompetência administrativa e isso também machuca a paixão que sempre me levou a abraçar amigos bugrinos e, também, a receber abraços deles quando estávamos tão próximos de uma conquista e ela se foi, assim como um vendaval de ilusão. Tudo o que é futebol é uma brisa ou uma tempestade, um chuvisco, uma garoa, ou um temporal de emoções. E voltamos todos para a casa, enrolados ou não em nossas bandeiras, mas certos que abraçaremos nossas companheiras, essas moças que são a razão de ser de qualquer torcedor, bêbados, nervosos, ou simplesmente cabisbaixos. E nada melhor do que uma noite de abraços de amor. Ponte Preta e Guarani ganharam seus jogos e os amigos que morreram dias antes não comemoraram e nem zoaram lá no Armazém da Dona Mociça. E o pequeno caixote de mesa para o truco não apareceu. Foram duas grandes perdas das nossas vidas comuns: Renê e Didi. Um consertava máquina de lavar e o outro construía móveis. Renê era quase fanho, e Didi tinha a voz rouca dos ancestrais negros cantadores de cânticos afros, um divino cantador de samba de boteco. E Renê era o sábio que nada discutia. Mas ambos eram pontepretanos. E fica lá em um canto da Vila Industrial um armazém vazio de duas boas almas que nos deram alegrias de tardes de truco e conversas de não se jogar fora. E sobramos nós para lembrar tais partidas, além de tantas outras acontecidas. Somos todos bugrinos e pontepretanos, é claro. Mas, além de todos os companheiros mortos, somos vivos e também apaixonados pela vida, por esse grande jogo que, cedo ou tarde, teremos que enfrentar um dia. Acho que vai dar empate: morro eu e morre também a Morte. Mas a Ponte Preta segue viva. É isso.