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Participando da vida

A luta por ambientes mais acessíveis e mais inclusivos faz parte do cotidiano de todos nós que temos alguma deficiência

Fabiana Bonilha
igpaulista@rac.com.br
25/06/2015 às 10:59.
Atualizado em 28/04/2022 às 15:46

A luta por ambientes mais acessíveis e mais inclusivos faz parte do cotidiano de todos nós que temos alguma deficiência. Naturalmente, almejamos por um mundo no qual tenhamos plena participação social, em igualdade de condições com todas as pessoas. Entretanto, a despeito deste horizonte, a vida acontece aqui e agora, o que nos impele a pertencermos ao mundo tal como ele é. Quero dizer que, por um lado, ao pensarmos no futuro, abrimos caminho para implementarmos a acessibilidade universal em variados contextos, e por outro lado, ao pensarmos no presente, adquirimos resiliência para nos adequarmos a uma realidade nem sempre tão acessível. Precisamos, em nosso cotidiano, ser livres para explorar possibilidades adaptativas, e por isso A falta de acessibilidade não pode nos impedir de vivermos as experiências do modo como elas nos são apresentadas. Sabemos, por exemplo, que as produções cinematográficas e televisivas raramente contam com o recurso de áudio-descrição. Mesmo constatando este déficit, não deixamos de ir ao cinema ou de assistir à televisão. Buscamos, sim, alternativas para acompanhar os filmes e os programas quando eles não dispõem deste recurso. Diante da tela, procuramos ficar atentos a toda sonoplastia e a todos os diálogos, o que nos permite seguir, da melhor forma possível, o contexto daquilo a que estamos assistindo. Além disso, nestas circunstâncias, temos nossos amigos como uma importante fonte de informações, pois eles, por meio de relatos e narrativas, complementam o vazio deixado pela ausência da áudio-descrição. Sem dúvida, seria ideal se todas as produções artísticas já fossem concebidas em formato acessível. Porém, esta lacuna não nos deve distanciar das atividades ligadas ao lazer e à cultura, nem nos deve privar do contato com este universo. Do mesmo modo, a maioria dos equipamentos eletrônicos não são concebidos segundo o Desenho Universal, isto é, segundo princípios que abrangem pessoas com diferentes características. Embora quiséssemos que eles fossem ideais, não deixamos de tê-los e de utilizá-los tal como eles são, dentro das nossas possibilidades. Simplesmente contamos com nossa criatividade (que aliás precisa ser bem fértil) para concebermos soluções compensatórias à barreira de acesso. Para ilustrarmos estas estratégias de enfrentamento, pensemos hipoteticamente em um player de músicas que não dispõe de recurso de síntese de voz nem de um menu falado. Neste caso, ao invés de esperarmos pelo surgimento de um aparelho acessível, damos um jeito de memorizar as posições das teclas, as funções do menu e a sequência em que elas estão dispostas. Assim, aprendemos, por exemplo, que para chegar ao item “músicas” é preciso pressionar a tecla do cursor cinco vezes, e, dentro deste item, mais três vezes até encontrarmos nossa pasta de arquivos, e assim por diante. Às vezes, um bip ou algum som que aparentemente não teria função é a nossa melhor referência, em um dispositivo sem nenhuma acessibilidade. Recentemente, eu criei um interessante artifício para utilizar metrônomos. Um metrônomo, como talvez os leitores saibam, é um aparelho cuja finalidade é a de marcar o andamento de um determinado trecho musical. Ele dispõe de uma escala de numeração que, para quem enxerga, aparece em um visor ao lado de uma régua. Infelizmente, eu nunca encontrei um metrônomo acessível. Mas como atuo na área de música, não posso abrir mão deste aparelho. Por isso, fiz em braile uma tabela com toda a escala do metrônomo numerada de 1 a 20. Desse modo, quando quero posicionar o metrônomo em um determinado andamento, consulto a tabela que criei e conto quantas casas devo caminhar na régua até a numeração desejada. São infindáveis os exemplos de artifícios desenvolvidos por cada pessoa com deficiência em sua vida diária. São tantas as experiências que valeria a pena juntar todas elas em um livro cujo título poderia ser: “Guia prático de soluções para viver em um mundo pouco acessível”!

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