Sessão de Cinema

Pardais e The Here After

Perdi alguns dos bons filmes da 39ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que termina nesta quarta, dia 4. Vi outros tantos, mas acompanhei com aten...

João Nunes
02/11/2015 às 09:59.
Atualizado em 23/04/2022 às 03:36
Pardais e The Here After (João Nunes)

Pardais e The Here After (João Nunes)

Perdi alguns dos bons filmes da 39ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que termina nesta quarta, dia 4. Vi outros tantos, mas acompanhei com atenção a sessão de produções do Foco Nórdico e gostei não só pela variedade de temas, mas por nos revelar uma região tão pouco conhecida cinematograficamente falando.

E escolhi dois longas que me chamaram particularmente a atenção e os analiso juntos porque se estabelece um diálogo entre eles: Pardais, do islandês Rúnar Runarsson, e The Here After, do sueco Magnus von Horn. Note-se que ambos são coproduções. O primeiro, com Dinamarca e Croácia; o segundo, com Polônia.

Nos dois casos temos garotos adolescentes como protagonistas que se deslocam (por razões distintas) para a aldeia onde nasceram. E não têm opção: ou voltam ou voltam. Em ambos, terão de viver com os pais (homens) e nos dois casos, estes são broncos e agressivos e rejeitam os meninos.

Curiosamente, há uma cena muita parecida nas duas produções: após a discussão com o genitor, Ari (foto), o herói de Pardais liga para a mãe que está morando na África suplicando-lhe que retorne a Reikjavík (a capital islandesa) e ouve um claro não; John, o anti-herói de The Here After, após briga com o pai, tenta se comunicar inutilmente com alguém pelo celular pedindo socorro.

Diante da resposta negativa que ouvem, eles sabem que terão de encarar um desafio de viver o drama. As respectivas cenas anunciam que será perda de tempo lutar contra o destino e a desolação dos rostos deles indica que, resignados, eles aceitam a determinação.

Mas há uma diferença fundamental nos personagens. Ari nasceu naquele povoado, mas se foi para a cidade, onde integrava o coro sacro da igreja da capital. John retorna de um reformatório para onde foi depois de cometer um crime. Ari sai do sofisticado mundo da música erudita para limpar peixe; enquanto John retorna ao difícil trabalho no campo.

Paraíso Os países nórdicos estão entre os primeiros em todos os índices de desenvolvimento humano: na igualdade social, na falta de convulsões econômicas e tops na ausência de corrupção – três males que do Brasil são.

Supõe-se, a partir de um princípio ideológico baseado unicamente à questão social, que seriam países perfeitos com gente perfeita, o utópico paraíso – o que não existe é claro, como se resolvida a questão social alcançássemos a plenitude.

Pois nessa sociedade justa socialmente falando, os seres humanos dos filmes são tão brutais, cruéis, intolerantes e intragáveis como em qualquer lugar do mundo; num universo socialmente quase perfeito prevalece a incapacidade do ser humano em ser minimamente tolerável.

Não há nenhuma novidade no que estou falando (eu não esperava que fosse diferente), pois nos referidos países, onde problemas sociais inexistem, subsiste o ser humano com suas imperfeições e contradições.

Com isso me reporto às palavras de Cristo para quem não só de pão vive o homem, e uso a poética popular dos Titãs, para quem a gente não quer só comida, mas diversão, arte e balé.

Tudo o que Ari gostaria de ter de volta é sua arte. É belíssima a cena em que ele recorre a um imenso tonel de cimento (há outro nome para isto) a fim de cantar à capela e absolutamente sozinho um dos cantos que entoava no coral e nos provoca um nó na garganta. Há muita gente que precisa de pão – essencial para viver; Ari tem o pão, mas também quer arte.

John também tem o pão de cada dia. Entretanto, ele quer de volta o afeto perdido, mas encontra a rejeição, pois, a cidade o trata muito mal. Mas, convenhamos, é estranho que, injuriados com John porque ele cometeu um crime, seus algozes o queiram matá-lo e, portanto, igualmente, cometer um crime. Que contradição! Que humano!

Gosto de ambos os filmes, cada um a seu modo. Contudo, fico pasmo que a violência esteja em tão alta voltagem (mais em The Here After), prova inequívoca de que ser socialmente bem resolvido não melhora ou aperfeiçoa a natureza humana – conclusão que pode ser criticada porque eu parti do particular (dois filmes) para avaliar o geral (toda uma conjuntura político-sócio-econômica).

Não quero dizer que não devamos buscar a igualdade social; quero dizer que ela não pode ser uma busca em si mesma. E, se, mesmo com ela, seguiremos sendo o que essencialmente somos (egoístas, tolos, violentos, cruéis, insensatos, insensíveis) eis uma constatação incontornável.

*O jornalista faz cobertura da Mostra a convite da organização

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