JOSÉ ERNESTO

Paranoia e prudência

José Ernesto dos Santos
18/05/2013 às 06:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 15:48

Assistir ou ouvir noticiários e ler jornais tornou-se um ato de heroísmo. As notícias do mundo e, principalmente, do nosso País, são um desfile de violência, que nos tempos passados provavelmente seria classificadas como para maiores de 18 anos.

Nos “anos de chumbo” somente a pornografia, ou os pensamentos diversos dos mandantes sensibilizavam a censura. Creio que hoje deveríamos pensar diferente. A violência que somos submetidos merecem um olhar mais crítico, profundo e científico da sociedade. Uma das consequências desse estado de violência e de insegurança absoluta que vivemos, é que nossas casas têm hoje muros altíssimos, com cercas de arame farpado, eletricidade e não raramente, oito ou dez câmeras distribuídas estrategicamente filmando e gravando vinte quatro horas o que ocorre em diversos ângulos e nos vários espaços.

Antes de sair de sua casa você espia todas as câmaras e confere se pode ou não sair. O caminho está livre! Além disso, essas imagens podem também serem captadas pelo celular ou pelo tablete que você carrega a todos os lugares que vai. No boteco, tomando sagrada cerveja semanal, você liga o celular ou tablete (a maioria dos espaços hoje tem que ter wi-fi) e confere como está sua casa. Relaxante! Vida difícil!

Vocês já observaram que as imagens de todos os acidentes que ocorrem no mundo são captadas por varias câmeras e retransmitidas ao planeta algumas horas depois? Veja o que aconteceu no atentado em Boston. Somos filmados e gravados em todos os lugares públicos. Invasão de privacidade? Não, as pessoas se sentem seguras e os planos para eleição de incluem a instalação de numero cada vez maior de câmeras nos espaços públicos! Vivemos um “big brother” mundial. O admirável mundo novo.

A mais recente insensatez de nossos patrícios foi adulterar o leite das criancinhas com agua não tratada de córrego, ureia e formaldeido. Será que teremos que voltar a ter uma vaquinha no quintal para ter segurança do leite que tomamos em casa? Onde está o controle de qualidade das indústrias? Onde está o cumprimento das leis de segurança do leite tão bem redigidas que temos no País?

Na infância feliz da Vila Tibério minha mãe colocava à noite o litro de leite vazio sobre o pilar do muro de casa e na madrugada o leiteiro deixava um litro cheio (pasteurizado) e o padeiro deixava o pão. Sobre o muro! Imaginem o desastre que aconteceria hoje. Em tempo, tanto o leiteiro quanto o padeiro passavam para receber no fim do mês. A ética e a moralidade de nossa sociedade se modificaram muito. Será que os modelos se modificaram?

Lembro-me do tempo em que existia o bate-papo de vizinhos no portão, ao final da tarde ou no começo de noite. Isso acontecia especialmente nos bairros. Eles foram extintos. É muito perigoso ficar conversando nas calçadas. Outro fato curioso é o que essa insegurança e a consequente desconfiança do próximo provocaram. Não podemos, por exemplo, mais brincar com uma criança cujos pais não sejam amigos. Ao passar por uma criança no supermercado, por exemplo, tenho vontade de falar pelo menos “oi”. Quando faço isso o resultado é a “cara de poucos amigos” que seus pais fazem. Será um pedófilo, ou será um sequestrador? Se você oferecer um chocolate creio sua ação pode resultar em um boletim de ocorrência policial.

Nós brasileiros sempre fomos considerados, ou pelo menos nos achamos, somos simpáticos e acolhedores. Nunca foi assim, mas piorou muito. Já não cumprimentamos as pessoas nas ruas. O que custa dizer “bom dia”? Se não for muito amigo, o seu cumprimento gera desconfiança.

Visitei recentemente minha filha, que reside nos Estados Unidos, e fui correr com ela e alguns amigos numa pista ao redor de um dos inúmeros lagos da região. A maioria das pessoas ao passar por outras cumprimentam com um “hi” ou “good morning”. Tenho observado que isto não se faz mais em nossa terra e se você o fizer te olharão desconfiados. Preste atenção quando você for caminhar nos Parques Luiz Carlos Raia ou Roberto Jabali.

Queixei-me recentemente de tudo isso e recebi a seguinte orientação: no mundo de hoje desconfiar não é paranoia, é prudência! O não desconfiar é a inconsciência da realidade. Em outros termos: se não estiver satisfeito aceite a sugestão de Manuel Bandeira, mude-se para Pásargada.

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