Pampas na taça

Pampas na taça

Renda-se: Campanha Gaúcha se destaca pela qualidade e já é um dos endereços mais promissores do vinho brasileiro

Érica Araium
18/05/2015 às 18:22.
Atualizado em 23/04/2022 às 13:16
Condições climáticas e geografia favoráveis fazem da Campanha Gaúcha a segunda região em produção de vinhos finos no Brasil  (Gilmar Gomes/Divulgação)

Condições climáticas e geografia favoráveis fazem da Campanha Gaúcha a segunda região em produção de vinhos finos no Brasil (Gilmar Gomes/Divulgação)

Érica Araium [email protected] vitininicultura brasileira vem progredindo a hectares largos e castas expoentes. Na Campanha Gaúcha, região que bordeia a fronteira com os vizinhos Uruguai e Argentina, as últimas etapas de colheita haviam acabado de ocorrer quando a Metrópole palmilhou nove das 17 vinícolas integrantes da Associação Vinhos da Campanha, a convite do Ibravin (Instituto Brasileiro do Vinho). Entre os milhares de quilômetros percorridos pelas planícies das cidades de Santana do Livramento, Itaqui, Dom Pedrito, Bagé, Uruguaiana e Rosário do Sul, rótulos sublimes oriundos de vinhas velhas e incipientes, tratadas com muito esmero, foram apresentados. Saldo da visita? Extremamente positivo. E, a depender das condições climáticas e da favorável geografia da Campanha, situada no famoso e bem quisto paralelo 31° (latitude sul), numa altitude de 100 a 300 metros, boas safras desta, que é a segunda maior região produtora de vinhos finos do país (responsável por 25%), estão por vir. As uvas maturam por lá entre janeiro e março, época de “estiagem”, normalmente. Já o inverno é bastante rigoroso. Por conta da amplitude térmica e estresse hídrico considerados ideais, além do solo arenoso, “os vinhos resultam mais equilibrados, apresentam boa coloração, corpo, grau alcoólico, acidez e são mais macios que os produzidos em outras localidades”, destaca a engenheira agrônoma, enóloga e diretora técnica da Estância Guatambu, que desde 2003 se dedica ao cultivo de uvas em Dom Pedrito, Gabriela Pötter. Desde a década de 1970, a produção vínica passou a incrementar o agronegócio praticado nas planícies daquela região. Os investimentos se avolumaram a partir da década de 1990 e, hoje, pecuária, ovinocultura, cultivo de arroz irrigado coexistem com videiras importadas da Europa, em maioria. A rainha das uvas, Cabernet Sauvignon, reina no mesmo território das variedades Tannat, Merlot, Tempranillo, Sauvignon Blanc, Chardonnay, bastante comuns. Outras variedades interessantes, a exemplo da Cabernet Franc e da Gewürztraminer, também vingam e renorteiam o mercado. Com isso, vinhos finos, expressivos e com preços competitivos, chegam às gôndolas, aos poucos. Ainda é fato que na região Sudeste a maioria dos rótulos chega sobretaxada – daí o consumidor dar preferência aos importados de Argentina, Uruguai e Chile. Numa prova às cegas, porém, bons sommelieres seriam capazes de pontuar mais os nossos pátrios. “Os vinhos da Campanha Gaúcha são reconhecidos pela qualidade e, a cada ano, unimos esforços para que estejamos constantemente atualizados tecnologicamente. Além disso, desde 2010, quando a associação se constituiu, buscamos obter o registro de Indicação Geográfica (concedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial) e ampliar o valor agregado por meio da preservação do patrimônio cultural”, pontua o presidente da Associação de Produtores Vinhos da Campanha e sócio-gerente da vinícola Batalha, Giovâni Silveira Peres. Entre os parceiros da entidade estão o Sebrae, o Ibravin, a Embrapa Uva e Vinho, a Emater, o Comitê de Fruticultura da Metade Sul e algumas universidades. Há fomento à pesquisa, desenvolvimento e divulgação dos produtos da campanha; e um projeto em curso, que envolve quase uma centena de especialistas, a fim de determinar a influência do terroir sobre os vinhos da região.Região vinificada Foto: Gilmar Gomes/Divulgação Produção da Almadén atende a Miolo, que comprou o grupo em 2009 Há que se levar em conta que a distância geográfica entre as vinícolas dificulta, em parte, o escoamento da produção. Por isso, parte delas opta por vinificar na região da Campanha e envasar seus rótulos em parceiras da Serra Gaúcha. Em alguns casos, o excedente das uvas do terroir também é escoado para região do Vale dos Vinhedos. Uma das pioneiras na vitinificultura brasileira, a Almadén se orgulha de deter vinhas antigas e apostar na democratização de vinhos de bom custo benefício, desde a década de 1990. Ocorre que o vinhedo de Santana do Livramento, onde fica a fábrica, remonta à década de 1970 e é, hoje, o maior em área plantada da América Latina. A produção atende a Miolo Wine Group, empresa que comprou o grupo em 2009. “Todo nosso envase é feito em Bento Gonçalves por uma questão de logística, mas não podemos deixar de considerar que, se as melhores uvas estão na campanha Gaúcha, temos condições de produzir ótimos vinhos premium também para a Almadén”, situa o enólogo Leonel Antônio Caliari. Exemplo é o Tannat Vinhas Velhas 2012. Primeiro vinho ícone da marca, foi elaborado a partir de 25% de uvas de videiras com mais de 35 anos, leva o selo de qualidade Miolo e a indicação de procedência. “Veja, é possível vinificar pequenas produções, elaborar edições limitadas, numa empresa de grande escala. Então, se há uma tendência é a de que diversas outras vinícolas cheguem à Campanha, que tem as melhores condições para os vinhedos. Além de oferta de mão de obra e, com investimento em tecnologia, possibilidade de melhor manejo de processos”, aposta. Outro vinho que tem se destacado no mercado é o Quinta do Seival Alvarinho 2012, primeiro varietal da Miolo de uma casta branca portuguesa ainda pouco explorada no Brasil. A colheita tardia acontece em março, tal ocorre com as variedades Cabernet Sauvignon e Petit Verdot. Saiba mais: www.miolo.com.brVinícolas boutique Foto: Gilmar Gomes/Divulgação Anthony Darricarrère, enólogo da Routhier & Darricarère: produção limitada para controlar o processo Nas vinícolas familiares, a produção, em maioria, é restrita a algumas milhares de garrafas, comercializadas via web; e, para que se mantenha a lógica da excelência, são vinificadas somente as melhores castas das melhores safras. Busca-se valor agregado. É o caso do Vinhedo Routhier & Darricarère, em Rosário do Sul, projeto iniciado em 2002 pelos irmãos Pierre e Jean Daniel Darricarrère, franceses que viveram no Uruguai, com seis hectares plantados das variedades Cabernet Sauvignon e Chardonnay. O solo arenoso com dois metros de profundidade, o lençol freático profundo e a boa amplitude térmica da região contaram a favor e a primeira safra vingou em 2008. Quem toca o negócio, hoje, é o filho de Pierre, o enólogo Anthony Darricarrère. “Por ano, considerando todas as nossas linhas, produzimos 20 mil garrafas e não queremos passar de 40 mil, para não perder as nossas características e deixar de controlar o processo”, afirma ele. Todo o processo de vinificação e envase ocorre na propriedade. O enólogo obteve um bom espumante com o método ancestral, tradicional nas regiões francesas de Gaillac e Limoux e que prevê uma só fermentação, concluída na garrafa. Já o Salamanca do Jarau, edição limitada do Província de São Pedro, safra 2012, honra a regionalidade inclusive no rótulo, que faz alusão à lenda gaúcha do escritor pelotense João Simões Lopes Neto. A elaboração do vinho, que encantou chefs como Alex Atala e Mara Salles, derivou de frutos de um único vinhedo e fermentação espontânea, isto é, sem adição de leveduras (terroir extremo). Um dos vinhos mais reconhecidos e modernos elaborados na vinícola, porém, é o ReD Routhier & Darricarrère (70% Cabernet /30% Merlot), mais conhecido como “o vinho da Kombi” – trata-se de uma homenagem ao duo de proprietários que, na década de 1970, compraram um modelo desse para cruzar o Brasil. Saiba mais: www.redvin.com.br De maneira geral, são jovens como Anthony os ícones das vinícolas da Campanha Gaúcha. Ousados, batalham por vinhos mais fáceis de beber, visando cativar novos consumidores, sem se esquecer da competitividade dos rótulos mais elaborados e complexos, de alta expressão no mercado. Bodega Sossego – Os vinhedos da Estância Sossego, dedicada à criação de gado de corte (raça Braford), em Uruguaiana, a 20 quilômetros da fronteira com o Uruguai, foram implementados de forma experimental pelo produtor rural Bolivar Moura, em 2004. Por lá, o solo argiloso-rochoso, com profundidade de até um metro (pobre em nutrientes) e a baixa umidade contam a favor. Hoje, cinco hectares de Cabernet Sauvignon e Chardonnay, variedades importadas da França no início da empreitada, sustentam esse novo braço de negócio da propriedade. Em cada um dos rótulos da vinícola (linha Campaña), boa dose da expertise de René Ormazabal Moura, filho do fundador, com MBA em Wine Business Management na Royal Agricultural University da Inglaterra. Em tempo: a Casa Valduga absorve boa parte das uvas da bodega. Saiba mais: www.sossego.net/bodega Vinícola Boutique Campos de Cima – A ideia da charmosa vinícola, instalada na cidade de Itaqui (e que ainda não foi “oficialmente” inaugurada), surgiu nos anos 1990, como alternativa à diversificação dos negócios da família. Os 15 hectares de vinhedos Vitis vinifera foram implantados com mudas importadas da França e da Itália, entre 2002 e 2004. A primeira safra de Tannat ocorreu em 2006 e as primeiras cino mil garrafas do tinto chegaram ao mercado em 2009. Na imponente sala de degustação, repousam barris de todos os vinhos desenvolvidos até aqui.  À frente de toda a operação está a matriarca Hortência Ayub, apaixonada por vinhos e que, mais recentemente, divide a responsabilidade com as filhas Manuela e Vanessa. A enóloga uruguaia Maria Soledad Escanellas (ex-Alto de la Ballena) tem desenvolvido com esmero a linha de produtos com aporte tecnológico de ponta. “Entendemos que 90% do vinho depende da matéria-prima, por isso o extremo respeito à natureza”, defende Soledad. O Reino Unido já descobriu o potencial da Campos de Cima e passou a importar os espumantes Brut (premiadíssimo internacionalmente, inclusive em Bruxelas) e Extra Brut. Saiba mais: http://camposdecima.com.brCordilheira de Sant'ana - A vinícola produz, hoje, seis mil garrafas por ano no bucólico distrito de Palomas do município de Santana do Livramento (mesmo em que está a Almadén). Tannat, Merlot, Cabernet Sauvignon, Touriga Nacional, Chardonnay e Sauvignon Blanc estão distribuídos por entre os 20 hectares de vinhedos, cujo plantio foi iniciado em 1999 – em 2003 houve a primeira colheita. Cabe à enóloga Rosana Wagner a elaboração dos melhores vinhos, todos com potencial de guarda e expressividade de um terroir particular. “Os vinhos são mais aromáticos, frutados e de boa graduação alcoólica natural”, destaca Liane Cordeiro, coordenadora administrativa da vinícola. Para se ter ideia do cuidado com os vinhos produzidos por lá, o Cabernet Sauvignon safra 2005, reserva especial, só passou a ser comercializado em meados de março deste ano. A marca comercializa duas linhas: Cordilheira de Sant’Ana e Reserva dos Pampas. Saiba mais: www.cordilheiradesantana.com.brVinhos Dunamis – Vinícius Cercato e Thiago Peterle são os jovens enólogos da Vinhos Dumanis, nascida em 2010 e que, por não possuir vinícola própria e, tornou-se parceira da Cordilheira de Sant'ana. “Estamos felizes com a parceria porque a qualidade tecnológica é excepcional. Já os nossos espumantes são vinificados na Serra Gaúcha”, explica Cercato. O duo tem desenvolvido vinhos mais fáceis de beber, rótulos descontraídos e descomplicados com o intuito de cativar o público mais jovem e, assim, vem conquistando prêmios em concursos realizados em Bruxelas e Londres. O único Merlot Branco do Brasil, aliás, foi desenvlvido por eles e lançado este ano. “Agora estamos trabalhando no desenvolvimento de um excelente Tannat, bastante estruturado e mais frutado que os uruguaios. O ano de 2015 foi menos chuvoso, principalmente nos vinhedos e estamos apostando numa safra excepcional”, adianta. O rótulo só deve chegar ao mercado em 2016. Saiba mais: www.dunamisvinhos.com.brEnoturismo Foto: Gilmar Gomes/Divulgação Bioma Pampa: aposta no enoturismo O bioma Pampa tem motivado os produtores a apostarem no fomento ao eno (e eco) turismo – algo já bastante consolidado no Vale dos Vinhedos da Serra Gaúcha. Será preciso, porém, investir-se na rede hoteleira para que os viajantes, entre uma e outra taças, possam se revigorar das longas viagens pela Campanha Gaúcha – sendo a rota mais comum a feita pela BR 290, que cruza o Rio Grande do Sul até Uruguaiana, na fronteira com a Argentina. Neste sentido, a vinícola Guatambu Estância do Vinho, da família Hermann Pötter, tradicional no agronegócio, instalada em Dom Pedrito, quase fronteira com o Uruguai, impressiona a ponto de inspirar outros vitivinicultores da região a darem guinadas no mesmo sentido. A moderna sede da vinícola, de três mil metros quadrados, arquitetura espanhola e conceito totalmente sustentável, tem o subsolo integralmente dedicado à pesquisa, desenvolvimento, vinificação e envase de seus vinhos, produzidos em pequena escala. As degustações, o poderoso Restaurante Rastros do Pampa (especializado em parrilla), os cursos, eventos, bem como a loja da marca, ficam no pavimento térreo, todo envidraçado. “Tudo começou em meio hectare de Cabernet Sauvignon numa tentativa de diversificação dos negócios (agricultura, ovinocultura e pecuária) e foi dando certo. Em 2007, firmamos uma parceria com a Embrapa Uva e Vinho para caracterizar o potencial da região da Campanha”, explica Gabriela Pötter, engenheira agrônoma e enóloga. Em 2010, o Cabernet Sauvignon 2009 Rastros do Pampa já ceifava prêmios. “Estamos preparados para receber os turistas e produzir vinhos de excelência.” O enólogo uruguaio Alejandro Cardozo, nome que se repete e é reconhecido em toda a Campanha Gaucha, aliás, responde, desde 2011, pela consultoria no desenvolvimento dos vinhos brancos e linha de espumantes. Ele é expert nas leveduras encapsuladas. A Medalha de Ouro para o Poesia do Pampa Brut, no 8° Concurso Mundial Bruxelas Brasil, fez com que a Estância Guatambú apostasse firmemente no potencial de seus elegantes espumantes. Recentemente, o Guatambu Brut Rosé recebeu Ouro Duplo no 18ª Concurso Internacional de Vinhos e Licores La Mujer Elige, em Mendoza, na Argentina. Detalhe: apenas mulheres participam do júri. Região da Campanha Gaúcha 180 Produtores envolvidos17 Vinícolas e/ou produtores de vinhosProdução atual estimada: 20 milhões de litrosFonte: Associação de Vinhos da Campanha (Dados do Cadastro Vitícola 2010)

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