GUSTAVO MAZZOLA

Paixão e improvisos no ar

30/09/2020 às 07:02.
Atualizado em 28/03/2022 às 00:06

Acende-se a luz vermelha no alto de uma pesada câmera nos novos estúdios do bairro Sumaré, em São Paulo, e Walter Forster anuncia, solenemente: - Está no ar a TV Tupi-Difusora. Eram exatamente dezenove horas do dia 18 de setembro de 1950, momento em que se abria uma grande janela nas comunicações no Brasil, a televisão, a nova paixão nacional. Seus raros telespectadores nem de longe podiam imaginar as profundas transformações sociais e econômicas que uma simples telinha luminosa, pronta para invadir seus lares, o comércio, a indústria, as dependências públicas, iria significar ao longo dos próximos setenta anos. Raros? Quase no dia da inauguração, um executivo da NBC-TV, dos Estados Unidos, que supervisionava a instalação da PRF3-TV Tupi-Difusora, Canal 3, perguntou quantos milhares de televisores já haviam sido vendidos em São Paulo. Recebeu como resposta: “Nenhum”. O jornalista Assis Chateaubriand, mentor e responsável pela implantação da nova emissora, numa característica de seus métodos pouco ortodoxos, telefonou para uma empresa importadora e pediu que trouxessem para o Brasil, em três dias, duzentos aparelhos de televisão. O importador argumentou que precisaria de dois meses para as encomendas chegarem ao País. Ele não se abalou: - Então traga de contrabando. Eu me responsabilizo. E o primeiro receptor que chegar, eu mando entregar no Catete, como presente para o Dutra. Em seguida, determinou que vinte e dois aparelhos, guardados para o dia da inauguração, fossem instalados em lojas revendedoras de produtos eletrônicos no centro da cidade, em bares e uma, em destaque, no saguão do edifício dos Diários Associados, também em São Paulo. Depois do “show de abertura”, uma nova surpresa: o que fazer no dia seguinte? Foi preciso que se montasse, às pressas, uma programação interessante e variada. A TV Tupi-Difusora, a primeira estação de televisão do Brasil, começava com apaixonante ousadia, improvisos de toda a sorte e sem programas no ar. Conta Fernando Moraes em “Chatô, o rei do Brasil” que, a bem dizer, a história da televisão no Brasil já havia vivido capítulos anteriores à sua inauguração: seis anos antes, Chateaubriand, de volta dos Estados Unidos, reuniu-se com empresários, e surpreendeu-os, com os olhos no futuro: - Estou boquiaberto com o que me foi mostrado em Nova York: a televisão, a oitava maravilha do mundo. Num estúdio fechado, um conjunto de câmara tocava La Bohème, de Puccini. A cinquenta metros dali, em outra sala, eu pude ver e ouvir a execução da ópera. Eu os reuni para lhes comunicar que, terminada a guerra, vou instalar uma estação de televisão no Brasil. No ano em que antecedeu a inauguração da TV Tupi-Difusora, ele estava entregando a Meade Brunnet e David Sarnoff, diretores da RCA Victor, 500 mil dólares que representavam a primeira prestação de uma compra de trinta toneladas de equipamentos, num total de cinco milhões de dólares. Fechados os contratos e assinados os papéis, em Nova York, Sarnoff convidou Chatô para uma visita à fábrica da RCA, na Califórnia, onde uma “surpresa especial” o aguardava. Lá o jornalista foi conduzido a um pequeno auditório de piso acarpetado onde só havia meia dúzia de poltronas e um grande monitor de televisão à frente, em destaque. A um sinal de Sarnoff, as luzes se apagaram e o aparelho passou a transmitir imagens de uma banda de jazz - em cores! Chatô saltou da sua poltrona, indignado! - Que bruxaria é essa? Não pense que só por que eu venho de um país atrasado, o senhor vai me vender um equipamento obsoleto! Só aceito levar a televisão em cores para o Brasil. Abriu sua pasta, e rasgou os contratos. O empresário explicou que se tratava de um desenvolvimento experimental, e que os contratos precisariam ser refeitos. De fato, a televisão em cores só aconteceria, nos Estados Unidos, dezessete anos depois, em 1966. Enfim, 1950. Numa manhã, nos primeiros meses do ano, Chateaubriand apareceu no Sumaré acompanhado de um grupo de engravatados e começou a riscar com giz o chão de um campinho ao lado do edifício dos Diários Associados: “aqui vai ser o estúdio A”, dizia. “Ali, o estúdio B...” Walter Forster, Cassiano Gabus Mendes e Dermival Costa Lima, contratados das emissoras de Rádio, observando a tudo, ensaiaram um tímido protesto: - Mas doutor Assis, o senhor vai acabar com o nosso campinho de peteca? Chatô respondeu, sem olhar diretamente para eles: - Vocês vão jogar peteca no diabo que os carregue: aqui vão ser os estúdios da TV Tupi-Difusora. E, com licença, que eu estou muito ocupado. Gustavo Mazzola é jornalista e membro da Academia Campinense de Letras - [email protected]

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