PASQUALE

Outras aparências enganosas

O texto da semana passada começou com uma conversa sobre uma palavra perigosa: "cerração"

Pasquale Cipro Neto
24/03/2016 às 20:13.
Atualizado em 23/04/2022 às 01:27

O texto da semana passada começou com uma conversa sobre uma palavra perigosa: “cerração” (que significa “nevoeiro intenso”, “neblina”). Vimos que muita gente grafa com “s” porque supõe que esse termo tenha parentesco com “serra”. Como vimos, esse parentesco não existe. A palavra “cerração” é da mesma família de “cerrar”, que significa “fechar”, “tapar”. Depois, vimos o caso de “intermitente”, que muitas pessoas usam (erradamente) para falar de algo que não sofre interrupção. Como vimos, “intermitente” é o que sofre várias interrupções; o que não sofre interrupção é “ininterrupto”. A chuva intermitente, portanto, não é a que não para; e a que para e volta. Vamos tratar de mais algumas palavras que nos confundem. Nos tristes dias que o Brasil vive, com o ódio e a raiva saindo pelos olhos, xingamentos e agressões físicas partindo de ambos os lados, uma palavrinha anda aparecendo aqui e ali, em comentários no rádio e na TV e ás vezes até em textos escritos. Essa palavrinha é “feérico”. Para dizer que determinada pessoa reagiu como fera, ou seja, com ferocidade, muita gente anda dizendo que essa pessoa reagiu “feericamente”. Lamento dizer, mas “feérico” não tem nenhuma relação com a ideia de fera, de ferocidade, de agressividade, de raiva ou coisa do gênero. A palavra “feérico” é de origem francesa e se refere ao mundo das fadas, da fantasia, da magia. Um ambiente feérico, portanto, é um ambiente mágico, fantástico. Em francês, “fée” significa “fada”; “féerique” significa “relativo ao mundo das fadas”. Vejamos agora o caso de “fluido” e “fluído”. Não me enganei, não. Não escrevi a mesma palavra duas vezes. A primeira é “fluido”, que deve ser lida com força no “u”. A primeira sílaba dessa palavra de duas sílabas é “flui”, cujo grupo “ui” se lê como o de “cuido”, do verbo “cuidar”. Leia de novo: “cuido”, “fluido”. Mais uma vez: “cuido”, “fluido”. Pôs força no “u”? O que é “fluido”? Essa palavra tem várias aplicações. Uma delas é nomear o líquido que se coloca no sistema de freios dos automóveis. O diabo é que nas propagandas volta e meia se sugere a troca do “fluído” (com força no “i”) do freio. O que se troca é o “fluido”, que se lê com força no “u”. Os isqueiros antigos funcionavam com “fluido”, lembra? Também se usa essa palavra quando se fala dos “fluidos positivos” que vêm de determinada pessoa, por exemplo. Em todos esses exemplos, não há acento no “i”, e a vogal tônica é o “u” da primeira sílaba. É bom repetir: leia o grupo “ui” de “fluido” como se lê o de “cuido”. E o que é “fluído”, agora com acento agudo no “i”? Note que essa palavra tem três sílabas: flu-í-do. Notou que agora ocorre hiato? É bom lembrar que o hiato nada mais é do que um grupo de duas vogais consecutivas que ficam em sílabas separadas. “Fluído” é o particípio do verbo “fluir”. O particípio de “cair” é “caído”; o de “sair” é “saído”; o de “trair” é “traído”; o de “fluir” é “fluído”. O verbo “fluir” costuma ser usado com referência aos líquidos: “Só sairei daqui depois que as águas tiverem fluído”. Quando se diz que a água flui, diz-se que ela corre, escorre. É por isso que se diz que alguém fala determinada língua com bastante fluência ou que é fluente em determinada língua. Nesses casos, quer-se dizer que as palavras saem da boca dessa pessoa como a água sai ou flui de uma torneira.

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