Transtorno bipolar leva da depressão à euforia e provoca problemas na vida social
Fabiana Marchezi* Pouco conhecido pela maioria das pessoas, o transtorno bipolar atinge cerca de 4% da população adulta mundial, o que também vale para o Brasil, e resulta em um número significativo: 8 milhões de brasileiros sofrem do transtorno. De acordo com o psiquiatra Sérgio Tamai, doutor em psiquiatria pela Universidade de São Paulo e membro do corpo clínico do Instituto Bairral de Psiquiatria, a doença se caracteriza pela alternância de estados de humor, ocorrendo episódios de mania (euforia) e de depressão, intercalados com períodos de normalidade (eutimia). “Mania é um estado de humor elevado, com aumento de energia, sem manter qualquer relação com os acontecimentos que o indivíduo está vivendo”, explicou. Segundo ele, no período do transtorno bipolar, a pessoa não está deprimida ou alegre por um motivo especial, mas apresenta humor eufórico ou irritável. “Em geral, a mudança do comportamento na mania é súbita, entretanto a pessoa não percebe sua alteração ou a atribui a algum fator do momento. O senso crítico e a capacidade de avaliação objetiva das situações ficam prejudicados ou ausentes. Assim, o indivíduo pode realizar compras de objetos que não tem condições financeiras de pagar, ou ainda manter um comportamento sexual promíscuo”, afirmou. O médico alertou que a pessoa tem prejuízos em termos de incapacitação para o trabalho quando está em crise — cada fase, mesmo com tratamento, persiste por pelo menos 30 dias. Também podem ocorrer prejuízos financeiros pelas compras compulsivas feitas em uma fase de euforia, comportamentos de risco como dirigir em alta velocidade, sexo sem proteção, risco de suicídio e abuso de drogas e álcool. Por isso, o diagnóstico preciso da doença é importante para acelerar o início do tratamento medicamentoso, que envolve uma classe de remédios chamada de estabilizadores do humor, sendo que algumas formas de psicoterapia podem colaborar para o bom resultado do tratamento. De acordo com a Associação Brasileira de Transtorno Bipolar (ABTB), 60% dos pacientes tratados com depressão podem ter também o transtorno bipolar e são mal diagnosticados. A identificação da doença pode levar até dez anos para ocorrer, já que os sintomas são confundidos com os de outros problemas. Foi exatamente o que aconteceu com a atendente de call center Janete Midori Nakagawa, de 47 anos, que durante anos fez tratamento para depressão até ser finalmente diagnosticada com o transtorno, em 2007. Para Janete, o preconceito em relação à doença também atrapalha bastante os portadores. “Desde que acertaram o diagnóstico e passei a fazer o tratamento correto, minha vida mudou completamente. Hoje levo uma vida totalmente normal. Antes era muito difícil, tive vários prejuízos pessoais e profissionais por causa da doença. Minha vida era cheia de altos e baixos. Comecei duas faculdades e não concluí nenhuma, além de não conseguir me fixar em emprego nenhum”, contou. “Na fase da depressão profunda eu me escondia, sentia vergonha, tristeza e desânimo. Já na fase de elevação do humor, ou mania, eu mergulhava de cabeça em projetos e gastava muito. A compulsão por compras também me prejudicava. Eu tive vários prejuízos materiais por assumir situações irreais”, revelou. Para ela, o apoio da família, a consciência de que não dá para ficar sem os medicamentos e a psicoterapia são essenciais para o restabelecimento de quem tem a doença. Problema é mais comum na adolescência Dados da Organização Mundial da Saúde apontam que de 30% a 50% dos pacientes com transtorno bipolar tentam o suicídio, e 20% deles chegam a se matar na fase de elevação do humor. A doença resulta ainda em um alto índice de afastamento do trabalho, sendo a sexta causa de incapacitação dentre todas as doenças médicas e a terceira entre as psiquiátricas. A doença manifesta-se geralmente na adolescência — a incidência de 60% dos casos ocorre antes dos 20 anos —, mas pode também afetar adultos de qualquer idade. As causas, embora ainda não definidas totalmente pela ciência médica, podem ter várias origens. “Sabe-se que os fatores biológicos, genéticos, sociais e psicológicos somam-se no desencadeamento da doença. Em geral, os fatores genéticos e biológicos podem determinar como o indivíduo reage aos estressores psicológicos e sociais, mantendo a normalidade ou desencadeando doença. O transtorno bipolar do humor tem uma importante característica genética, de modo que a tendência familiar à doença pode ser observada”, concluiu o psiquiatra Sérgio Tamai.