PASQUALE CIPRO NETO

Os países que o compõem

06/03/2015 às 05:00.
Atualizado em 24/04/2022 às 01:05

Há algum tempo, recebi de uma leitora uma mensagem em que me relatava que a escola em que o seu filho estudava pediu aos alunos que elaborassem pesquisas sobre o Mercosul. A primeira coisa que se pedia era uma relação “dos países que o compõe”. O segundo item terminava com esta recomendação: “Procure uma reportagem de jornal ou revista que mostre como cada um desses países têm agido em relação ao próprio Mercosul”. A leitora diz que conversou com a coordenadora pedagógica da escola sobre as formas verbais “compõe” e “têm”, presentes nos enunciados dos temas que deveriam ser abordados. “A coordenadora disse que não havia erro nos termos empregados, mas não conseguiu explicar o porquê de sua posição”, disse-me a leitora em sua mensagem. Ai, ai, ai...   No primeiro caso, a forma correta não seria “compõe”; seria “compõem” (“os países que o compõem”). É sempre bom lembrar que “compõe” e “compõem” pertencem ao presente do indicativo do verbo “compor”. A primeira forma (“compõe”) é da terceira pessoa do singular (“ele/ela compõe”); a segunda (“compõem”) é da terceira do plural (“eles/elas compõem”). E por que a forma correta, no caso, seria “compõem”? Porque são os países que compõem o Mercosul, e não o Mercosul que compõe os países.   Na verdade, bastaria à coordenadora (e/ou a quem elaborou a questão) perceber o papel do pronome oblíquo “o”, que, obviamente, retoma o termo “Mercosul” e funciona como complemento (e não como sujeito) do verbo “compor”. Em outras palavras, a expressão “os países que o compõem” equivale a “os países que compõem o Mercosul”.   Alguém talvez esteja dizendo que nada disso muda o valor do dólar ou do escandaloso rombo na Petrobrás, que com “compõe” ou “compõem” se entende a mensagem, blá-blá-blá, blá-blá-blá, blá-blá-blá.   Como esse tipo de afirmação tem cheiro de demagogia e de populismo (da pior espécie) e como eu detesto as duas coisas (populismo e demagogia), acho melhor explicar (e entender) o mecanismo morfossintático, o que, em outras palavras, pode se transformar em ferramenta necessária e útil aos que querem escrever com clareza.   Vejamos este caso, caro leitor: “Que grupo compõe/compõem aqueles destacamentos?” Qual das formas se emprega nesse caso? Depende. Com a forma “compõe”, pergunta-se qual é o grupo que compõe os destacamentos; com a forma “compõem”, pergunta-se quais são os destacamentos que compõem o grupo. Convém lembrar que o que vale para o par “compõe/compõem” vale para todos os verbos terminados em “por” (“expor”, “impor”, “repor” etc.), a começar pelo próprio verbo “pôr”: “põe” é da terceira pessoa do singular (“ele/ela põe”); “põem” é da terceira do plural (“eles/elas põem”).   Vejamos agora o segundo caso (“...como cada um desses países têm agido...”). A forma “têm” deve ser substituída por “tem”. Não custa lembrar que “tem” é da terceira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo “ter” (“ele/ela tem”), enquanto “têm” é da terceira do plural (“eles/elas têm”). A razão da correção no segundo item do trabalho escolar é simples: o aluno não deve mostrar como esses países têm agido, mas como cada um desses países tem agido em relação ao próprio Mercosul.   A forma e o conteúdo andam juntos, caro leitor. A forma deve traduzir o que se quer dizer, ou seja, está a serviço do conteúdo e da construção do texto. É (só) para isso que se estuda gramática. Por fim, é bom dizer com todas as letras o que ficou claro ao longo deste texto: a mãe tinha toda a razão.

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