FERES CHADDAD NETO

Os mistérios da memória

Saiba por que algumas informações são retidas em nosso cérebro por mais tempo e outras são esquecidas rapidamente

Feres Chaddad Neto
08/04/2016 às 23:49.
Atualizado em 23/04/2022 às 01:05
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Quase todos já passamos por alguma situação em que tentamos nos lembrar no nome de determinada pessoa, música ou filme e a palavra desaparece de nossa mente. Logo culpamos nossa memória. No artigo desta edição, conheceremos um pouco mais sobre a memória, um mecanismo complexo que retém as informações que aprendemos. O encéfalo possui diversos sistemas que desempenham funções relacionadas às sensações, ao movimento e às emoções e cada sistema possui bilhões de neurônios com muitas conexões. Algumas informações são retidas com mais facilidade e por mais tempo em nossa memória, como dirigir ou andar de bicicleta. Mas outras, como lembrar de uma fórmula de física aprendida durante a escola, são esquecidas com mais facilidade. Antes de adentrarmos nas explicações sobre os mecanismos da memória, é necessário nos atentarmos a duas diferentes definições sobre o conceito de memória e cognição. A cognição é a capacidade de adquirir novos conhecimentos. Ela envolve o raciocínio, a linguagem, a emoção, a motivação e a percepção. Já a memória é a retenção da informação aprendida. No entanto, entre as muitas informações novas que aprendemos ao longo da vida, nem todas são processadas e armazenadas pela mesma estrutura neural. Isso significa que não existe um mecanismo que seja individualmente responsável por todo o aprendizado.   Durante nossa vida, guardamos muitas memórias. Psicólogos e neurocientistas ao estudarem o armazenamento de informações no encéfalo chegaram à conclusão que elas são de tipos diferentes. A memória responsável pelos fatos e eventos é chamada de declarativa. Já a de procedimentos é destinada às habilidades, hábitos e comportamentos.  De modo geral, a memória declarativa é evocada conscientemente e a de procedimentos não. As declarativas são mais fáceis de serem formadas e são esquecidas com mais facilidade, enquanto as memórias de procedimentos exigem repetição e prática para serem guardadas e possuem menor probabilidade de serem perdidas. Em nossas experiências cotidianas, sabemos que algumas lembranças podem durar mais do que outra. Ou seja, existem memórias de longo prazo e de curto prazo. As de longo prazo são aquelas armazenadas por semanas ou anos, como a recordação de um fato da infância, uma festa de aniversário ou um Natal em família. As memórias de curto prazo, como o nome diz, são esquecidas com mais facilidade e estão sujeitas a alterações e perturbações. Lembramos do que jantamos na noite passada, mas daqui a algumas semanas essa informação não estará mais presente. As memórias de curto prazo podem ser apagadas por traumatismos cranianos ou por eletrochoques, mas esses acontecimentos não afetam as memórias de longo prazo. Esse fato poderia indicar que as lembranças seriam todas armazenadas na forma de memórias de curto prazo e convertidas, seletivamente, a memórias de longo prazo, por meio de um processo chamado consolidação da memória. Porém, a consolidação da memória não requer a recordação de curto prazo como intermediária, pois os dois tipos de memória podem existir em podem existir em paralelo.  No encéfalo existem múltiplas áreas de armazenamento temporário. Um indivíduo com uma lesão cortical pode se lembrar de algum algarismo lido por ele, mas pode apresentar déficits quando o mesmo algarismo é informado por outro estímulo sensorial, como a fala. A amnésia é uma grave perda da memória ou da capacidade de aprender, causada por certas doenças ou lesões cerebrais. Alguns males como concussão, alcoolismo crônico, encefalite, tumor cerebral e acidente vascular cerebral também podem causar prejuízos nessa área. A perda da memória é mais comum após algum traumatismo craniano e pode se manifestar de diferentes formas. Na amnésia retrógrada, o paciente esquece os eventos anteriores ao trauma. Em casos graves, o esquecimento pode ser de toda e qualquer informação aprendida. Já na amnésia anterógrada, há a dificuldade de formar novas memórias após o acidente cerebral. O indivíduo pode se tornar incapaz de absorver qualquer informação nova. Em casos menos graves, o aprendizado torna-se mais lento. A amnésia global transitória é o tipo mais comum. Ela envolve um acesso repentino de amnésia anterógrada e pode durar algumas horas ou dias. Nesses casos, a fala fica desorientada, mas lembranças de números de telefones, por exemplo, permanecem normais. É possível tratar a amnésia nos casos de perda transitória ou parcial da memória, desde que não tenha ocorrido nenhuma lesão permanente no cérebro. O tratamento é feito envolvendo um acompanhamento médico somado a uma reabilitação cognitiva. É possível evitar um déficit na memória se esquivando dos fatores que podem lesar o cérebro, ou seja, utilizar capacetes ao andar de moto, bicicleta ou praticar esportes radicais; sempre usar o cinto de segurança; realizar exames quando sentir alguma anormalidade cerebral, como uma dor de cabeça com um padrão diferente; e evitar o abuso de álcool e outras drogas. A memória e seu processamento A localização da memória no encéfalo é chamada de engrama, ou de traço de memória. No entanto, ainda é difícil precisar os locais exatos onde a memória é processada. Na década de 1920, o psicólogo americano Karl Lashley realizou experimentos para estudar os efeitos de lesões cerebrais no aprendizado em ratos. Ele se propôs estudar se o engrama estava localizado em determinadas áreas do córtex associativo. O pesquisador verificou que a gravidade dos déficits causados pelas lesões, tanto de aprendizado como de memória, estava relacionada com o tamanho da lesão e não com sua localização no córtex. Essas considerações o levaram a especular que todas as áreas corticais contribuem igualmente para o aprendizado e a memória. Porém, estudos subsequentes provaram que os apontamentos de Lashley não estavam corretos, pois, apesar da memória ser distribuída, nem todas as áreas corticais estão presentes no processo. Algumas pesquisas apontam que certas estruturas se relacionam com a memória. No lobo temporal, um grupo de elementos interconectados possui grande importância para a consolidação da memória declarativa, são eles: o hipocampo, as áreas corticais próximas e as vias que conectam essas estruturas com outas partes do encéfalo. Lesões no lobo temporal medial podem provocar amnésia profunda. Além do lobo temporal, o diencéfalo é uma das regiões do encéfalo mais claramente associada à memória e à amnésia. As regiões do diencéfalo ligadas no processamento e no reconhecimento da memória são os núcleos anterior e dorsomedial, no tálamo e os corpos mamilares, no hipotálamo. Os neurocientistas comportamentais americanos, Neil Cohen e Howard Eichenbaum, ao relacionar funções do hipocampo com outras estruturas do lobo temporal medial, chegaram à ideia básica da memória relacional. Seu conceito é que a informação sensorial chega ao hipocampo e a regiões corticais adjacentes e o processamento ocorre levando ao armazenamento de memórias de tal maneira que relaciona todas as coisas que acontecem ao mesmo tempo em que as memórias são armazenadas. Por exemplo: a lembrança da música de algum desenho animado que assistíamos na infância traz de volta diversos fatos relacionados como os personagens e a sala de nossa casa na época. Isso significa que a interconexão é uma característica bastante importante para o armazenamento da memória declarativa. O aprendizado e a memória são processos complexos que ocorrem em diversas partes do encéfalo. Como essas diversas estruturas interagem de forma que possamos aprender e armazenar recordações e informações ainda trata-se de um caminho que ainda não foi totalmente percorrido por pesquisadores. Nosso encéfalo está constantemente passando por mudanças em sua circuitaria para que ele possa se adaptar às nossas experiências de vida. Acredita-se que a natureza dessas mudanças possa estar relacionada ao aprendizado e à Na próxima semana conheceremos outras curiosidades sobre o cérebro. Até lá!. Envie sua pergunta ao Dr. Feres Chaddad Neto, pelo e-mail [email protected]

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