Contam viajantes recém-chegados da Amazônia que, de toda a grandiosidade daquele cenário esplêndido, última barreira verde do mundo, o que mais os impressionara fora uma cena comum na região, mas terrível para os outros : os meninos uivantes do Estreito de Breves. Se a gente procurar no mapa, acompanhando o Baixo Amazonas, no trecho entre Belém e Manaus, vai deparar com as maiores atrações do grande rio. Ao sair da Baía do Guarujá, o navio após acompanhar as ilhotas e atravessar a Baía de Marajó, transpõe o Estreito de Breves, onde as margens como que se fecham, havendo lugares que mal permitem a passagem de dois navios lado a lado, possuindo, contudo, profundidade assustadora, capaz de tragar uma embarcação de grande porte sem deixar vestígios. Das margens desse estreito, saídos de palafitas, que são palhoças de assoalho alto de paxiúba, cobertas e fechadas com palhas de pindoba ou ubim, surgem garotos, alguns de 5 anos talvez, remando em suas ubás e aproximando-se dos navios. A habilidade desses garotos é pasmosa, enfrentando nas esteiras dos navios as ondas provocadas pelo deslocamento destes. Corajosamente equilibrados em sua montarias, ficam balouçando, inconscientes do perigo. Ás vezes, os remadores são pobres mulheres levando seus bebês no fundo das canoas. E toda aquela gente, garotos e mulheres, pedem aos viajantes a esmola de roupas ou restos de comida, através de mímica bem compreendida e de úivos. Não, eles não gritam procurando vencer o barulho das águas Simplesmente uivam, como deveriam fazer os lobos do Alasca, tantas vezes descritos nos romances de Jack London. Os meninos uivantes do Estreito de Breve aproximam-se, perigosamente, dos navios que passam devagar. Do convés, lá em cima, os viajantes percebem os corpos mirrados, os andrajos dos remadores-mirins, a alegria quando apanham um objeto ou uma lata de biscoitos, e durante todo o tempo, às vezes, durante horas escutam seus lamentos, escutam os longos uivos. Há muitos garotinhos uivando nas cidades do mundo. Apenas, nem sempre escutamos seus lamentos, que se traduzem em gemidos pouco audíveis. Alguns deles gemem porque sentem frio, fome, desconforto, dores. Outros ainda, numerosíssimos, por não serem amados, por não sentirem sombra de afeto, carinho e ternura ; por não sentirem a presença de alguém que lhes dê a mão e lhes ampare os passos, e lhes ouça as queixas, ou lhes conte histórias.