ZEZA AMARAL

Os jovens e as gaiolas políticas

23/06/2013 às 05:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 11:28

Não estou cansado e nem nada. Quando muito, entediado. Alguém descobre mais uma tramoia política e o acusado se diz inocente e acusa o acusador. Óbvio demais; cara de pau demais; e vergonha de menos.

Adianta vaiar? Claro. Nem que seja sozinho, debruçado na varanda do apartamento, como faço dia sim e outro também — às vezes, de tardinha, outras de madrugada — mas sempre bem baixinho para não incomodar os vizinhos, mesmo aquele que tem um cachorrinho novo que chora dia e noite, de solidão, visto que disso entendo um pouco. Afinal, a minha bronca é minha e não preciso sair por aí atrapalhando a vida de ninguém, embora considere efeito colateral a manifestação atual de uma juventude que nos últimos anos vinha sendo acusada de alienação política e agora estão aí, com todos os hormônios prontos para dar um breque nas velhas opiniões formadas sobre tudo — e isso não tem nada a ver com o saudoso Raul Seixas, roqueiro de velhas ordens anarquistas e inconstitucionais, e por isso mesmo catalizador de hormônios que alguns vândalos exibem nas praças do País. Vivo fosse, e Raul diria hoje: é apenas rock, seu estúpido!

O urubu-rei que sempre aparece no alto de um prédio vizinho anda sumido. Deve estar envergonhado da avalanche de acusações públicas e arruaceiras que envolve políticos, empresários e autoridades das mais distintas instituições nacionais. É óbvio que tudo dará em nada. Mas essa é a opinião de um velho cronista que já foi jovem e fez as suas passeatas na vida. E isso entedia até o quelônio mais experimentado, que dirá um vetusto urubu-rei.

E porque nada me anima, vou sair para um curto passeio pela cidade inflamada. Flanar por aí, como se dizia antigamente.

Fim de tarde bonita, fresca e azulada.

Nesta época do ano, o sol começa a se espreguiçar na cabeceira da General Carneiro e vai alongando as sombras das crianças que estudam na escola Dom Barreto. Em cima da ponte da avenida, aquela que fica em cima da avenida Aquidabã, dois homens tarimbados na vida e nos cabelos discutiam se o passarinho que estava fazendo ninho numa goiabeira seria um sabiá ou tico-tico. Escutei a prosa e parei para ver o tal passarinho, fosse ele o que fosse. Um dos senhores me perguntou se eu conhecia passarinho. Claro, respondi. O que você acha: tico-tico ou sabiá? Pelo cinza-azulado, nem um nem outro: é sanhaço. E sanhaço ficou.

O raro leitor já viu goiabeira de cima pra baixo? É muito bonito de se ver. Mais ainda quando, nos últimos galhos, um passarinho faz ninho. Não demora muito e as goiabinhas começarão a maturar e os pássaros terão, na ponta do bico, um manjar de bicho de goiaba. Coisa que vale também pra passarinho, é claro: bicho de goiaba, goiaba é.

Segui meu caminho e deixei os senhores se deliciando com o passarinho fazendo ninho na goiabeira. Bem, se era sanhaço não sei. Mas levava jeito. E de passarinho só entendo que eles voam, obram sementinhas e não se preocupam com as minhas e sequer com as desditas de milhões de brasileiros que tudo o que possuem de si é uma bolsa daquilo e um mínimo de esperança por melhores dias. Passarinhos têm mais o que fazer. E o fazem bem, há milênios, e isso acho eu e a floresta amazônica.

Menos entediado, voltei à redação para digitar estas rápidas palavras, e decidido a trocar a gaiola de um canário americano que mora lá em casa em uma gaiola de arame, pintada de branca, por uma de fina madeira, pinho de riga, a única que vi na vida, com uma varandinha pra lá de confortável (presente do sogro pra filha) e muito boa de acústica. Pra cantar e vaiar, é claro. Como o dono. E Dilma Rousseff que se cuide: os canários da terra saíram das gaiolas ideológicas.

Bom dia.

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