Teoricamente, o assunto da coluna de hoje deveria ser a punição ao Corinthians anunciada pela Conmebol 24 horas depois do assassinato de uma criança de 14 anos em um jogo da Libertadores. Reconheço o avanço, inédito na história dessa entidade omissa, incompetente e culpada pela associação direta de problemas como violência, impunidade e desorganização aos torneios sul-americanos. Mas só vou escrever sobre o tema na semana que vem, já que não descarto a possibilidade de a Conmebol mudar de ideia e deixar tudo como está.
Hoje vou escrever sobre a entrevista coletiva do presidente do Corinthians, concedida na tarde de quinta-feira, horas depois da morte do garoto Kevin em Oruro. É evidente que ele falou em nome dos interesses do clube que preside e concordo que essa era mesmo a sua missão. Mas Gobbi deu algumas declarações constrangedoras, que deixam bem claro ao bom torcedor que a violência no futebol está muito distante de uma solução, simplesmente pelo fato de que as pessoas com poder de decisão não estão interessadas em combatê-la.
Desde o início, Gobbi defendeu a tese de que a morte pode ter sido acidental. “Não posso acreditar que uma pessoa vá ao estádio e dispare um artefato em direção a outra com a intenção de matar”, argumentou o dirigente. Como ex-delegado, torcedor e presidente de um clube do porte do Corinthians, é óbvio que Gobbi tem plena consciência de que uma barbaridade como essa não apenas é possível, como frequente. Negar que existem assassinos infiltrados nas torcidas é inútil e ridículo.
Em outro trecho da entrevista, o presidente disse que o Corinthians ajuda as torcidas organizadas “assim como todos os outros clubes”. Ele tem razão. Assim como tem razão quem afirma que as organizadas sempre estão envolvidas nos atos criminosos e violentos do futebol. Sempre. A tragédia de quarta-feira foi apenas mais uma entre tantas outras.
Tenso e compreensivelmente abalado, Gobbi seguiu defendendo as organizadas, o que é incompreensível. A certa altura, se referiu aos torcedores comuns como “desorganizados”. Nas minhas colunas, costumo chamar esse grupo de “bons torcedores”, mas reconheço que, de um ponto de vista específico, a qualificação “desorganizados” é adequada. Se fossem mais conscientes e exigentes, esses bons torcedores poderiam se organizar e sumir dos estádios até que alguém resolva mudar o quadro atual.
Todos sabem que as organizadas cometem crimes com frequência, portam armas e drogas, ameaçam atletas e familiares e adotam cantos de guerra ao invés de cantos de incentivo. Ainda assim, são bajuladas e financiadas pelos dirigentes, que usam o dinheiro dos clubes para manter uma relação de parceria com as torcidas. Se é desse tipo de organização que o futebol brasileiro gosta, então os “desorganizados” deveriam ficar em casa e parar de comprar ingressos e produtos oficiais. Talvez assim, comecem a receber o tratamento, o respeito e a segurança que merecem. Afinal, quanto tempo o futebol resistiria apenas com os organizados na arquibancada?
Um protesto desse é utópico e jamais vai acontecer com a adesão de 100% dos “desorganizados”. Mas a cada ato insano como o de quarta-feira na Bolívia, milhares deles tomam a decisão, triste e correta, de se afastar dos estádios.