Hoje é comum a crítica correta ou mentirosa contra os figurões do momento, com a divulgação real ou falsa de erros, abusos do poder e até de problemas íntimos, desvios de conduta e muito mais. Vejam, nos Estados Unidos e na Inglaterra, casos escabrosos são comentados e expostos nos tablóides e em discursos, e até perderam o sabor de novidades. Em décadas passadas, em Portugal e no Brasil, articulistas e oradores ofereciam este prato envenenado ao público, que por falta de outra distração, regalava-se a mais não poder.Lima Barreto, que viveu no pré-modernismo, e faleceu em 1922, disparava suas farpas contra o tipo de literatura “sorriso da sociedade”, isto é, passatempo e distração das elites letradas e ociosas. Mulato, pobre e suburbano, vítima de preconceitos de raça e de classe, era vigoroso articulista, e seus escritos satíricos castigavam e divertiam. A sátira foi o traço mais visível de quase tudo o que escreveu, e ele fez de “Os Bruzundangas” sua obra satírica por excelência, segundo o professor Valenti Francioli, da USP.O autor criou um País imaginário, devorado pela luta de classes, repleto de patifarias e de opressões, lugar em que a ideologia serve aos donos do poder, e acaba por contaminar os dominados, que acabam por funcionar como cúmplices. Escritor moderno e arcaico, cosmopolita e suburbano, ele produziu obra tão interessante, que ainda hoje é lida com prazer.Tudo naquele reino fantástico era caprichoso, vário e irregular. Aqui, terreno fértil; acolá, bem perto, estéril e arenoso. As suas florestas eram caprichosas também, tornando penosa a exploração. Ironizando a literatura daquela terra, contava que seus escritores, com raras exceções, produziam matérias leves, discursos e maus versos.A Bruzundanga fica na zona tropical e subtropical, mas a estética em moda pedia que se vestissem com peles de ursos, de renas e de raposas. Havia classes nobres: uma delas era a nobreza doutoral; a outra, de armas e várias outras. Estas escolas forneciam privilégios e distinções.O cidadão, que se arma de um título ou pergaminho, estava feito na vida. As moças ricas não podiam compreender o casamento senão com um doutor, e as pobres se enchiam de orgulho se desposassem um deles. O título ‘Dr.’ antes de um nome era importante como um título nobiliárquico.A outra nobreza daquela terra interessante foi apelidada de palpite. Não tinha base em coisa alguma, como no caso um sujeito chamado José da Silva, muito esperto, que logo enriqueceu. Mas, não tinha título algum e pensou agoniado: “Todos são nobres, menos eu.” Vai daí, inventou o título de visconde. Lima Barreto classificou o caso como ingenuidade infantil e senilidade senil.Em capítulos imperdíveis, Lima Barreto retrata a política e os políticos, a indústria, os costumes sociais, as diversões e até o ensino. Todos naquela terra queriam passar por formados. E quem não fosse, era desprezado. Não era o ensino primário tido como importante; o que fascinava mesmo era o ensino superior, tido como chave da sabedoria.Há muito mais, causando riso, despertando humor. E embora esta sátira tenha muitos anos, não perdeu sua atualidade. Corajoso, irônico, engraçado Lima Barreto! Pobre? Lima Barreto não era. Seus escritos, feitos ao correr da pena, como ele dizia, possuem um sabor muito forte de vida e de verdade.