Aulas de música quebram preconceitos e abrem os ouvidos infantis também para os clássicos
A professora de música Sílvia Beraldo rege alunos do 2° ano do Ensino Fundamental do Colégio Anglo Taquaral ( Gustavo Tilio/ Especial para a AAN)
O ensino de música — conteúdo obrigatório no Ensino Fundamental e Médio desde 2012 — produziu pelos toques da professora Sílvia Beraldo, do Colégio Anglo Taquaral, um projeto que ajuda a conscientizar para a necessidade de reaproveitar materiais, além de quebrar alguns preconceitos em relação à música erudita.No colégio, os alunos do 2° ano do Ensino Fundamental têm, semanalmente, uma aula de música na grade curricular. “O objetivo é formar os alunos para apreciarem a música. Eu queria que eles passassem a ouvir os clássicos, sem preconceito. Em geral, as crianças, se não forem preparadas, passam a reproduzir discursos dos adultos e da mídia sobre música, sem formarem a sua própria posição”, explica a professora, que também é artista e tem dois CDs gravados. Como a faixa etária média dos alunos da turma é de 7 anos, Sílvia adotou iniciativas bem lúdicas para trabalhar o conteúdo. Para começar, exibiu em sala o desenho animado Fantasia, produzido por Walt Disney em 1940 e que, na trilha sonora, tem a música Fada Açucarada, do balé O Quebra-Nozes, do russo Piotr Tchaikovsky (1840-1893). Depois, em outra aula, ela colocou os alunos para ouvirem apenas a música, em busca de associações. “Sem que eu dissesse nada, eles começaram a associar a música com a trilha sonora do filme. Esse foi o espaço que tivemos para abordar as razões pelas quais uma canção é utilizada no cinema e como ela gera sentidos”, conta Sílvia. Depois, veio a parte mais prática. “Produzimos, então, o que chamamos de uma orquestra maluca, ou seja, composta por instrumentos produzidos com os mais diversos materiais.” Nesse ponto, Sílvia conseguiu atrelar o projeto a uma temática bastante trabalhada na sala de aula em todas as disciplinas: a reutilização de materiais. ReutilizaçãoAssim, com latas e objetos de plástico, o grupo criou os próprios instrumentos de percussão, após estudar os sons possíveis de serem gerados. “Observei que os recipientes onde as crianças traziam os lanches eram jogados no lixo após o horário do recreio. Então, selecionei alguns desses itens e, junto com os alunos, estudamos os sons que eram possíveis de ser produzidos”, lembra Sílvia A professora destaca que o objetivo principal não foi a construção de instrumentos, mas, como prevê as diretrizes para o ensino de música nas escolas, a exploração da sonoridade. “Isso permitiu ampliar as possibilidades criativas e a consciência ecológica das crianças”, conta. Como a música naturalmente gera o interesse pela movimentação corporal, Sílvia também usou algumas aulas para treinar como cada som poderia ser representado por meio da expressão corporal. Ao final, tudo foi integrado numa apresentação para os alunos das outras séries. O projeto foi desenvolvido ao longo de oito semanas. CriaçãoDe acordo com a professora, os resultados do projeto da orquestra maluca foram positivos, principalmente, porque, além de estimularem o contato com a música erudita — de que, diferentemente do que muitos acreditavam, os alunos gostaram —, as atividades também permitiram que fosse feita uma aproximação da criança com as atividades criativas e de percepção. “De maneira lúdica e divertida, o ensino foi transformado em brincadeira. Nem por um minuto alguma criança questionou a proposta de transformar o lixo em instrumentos. Isso demonstra como é o nosso olhar que determina o que é desprezível e o que pode ser transformado em impulso para a criatividade”, acredita a educadora. Volta ao currículo O ensino de música nas escolas brasileiras — públicas e particulares — de Ensino Fundamental e Médio passou a ser obrigatório em 2012, depois de muitas idas e vindas na legislação. Desde o século 19, em vários momentos da história brasileira, parte da grade horária já havia sido destinada ao estudo dessa vertente artística. De acordo com a Lei 11.769/2008, a música deve ser agregada ao ensino de artes nas escolas. No entanto, não necessariamente precisa ser conteúdo exclusivo de uma disciplina. De acordo com a legislação, a escola deve oferecer artes visuais, teatro, dança e música na formação dos estudantes. O Ministério da Educação (MEC) recomenda que, além das noções básicas, os alunos aprendam cantos, ritmos, danças e sons de instrumentos regionais e folclóricos, como uma forma de conhecer a diversidade cultural brasileira. O desafio ainda é a formação de professores. A maioria dos cursos de licenciatura em artes, no País, ainda é focada nas expressões plásticas. Saiba mais O trabalho desenvolvido no colégio Anglo Taquaral foi inspirado na obra do mais famoso compositor russo, Tchaikovsky, mais precisamente no balé O Quebra-Nozes, que estreou em 1892. A obra, geralmente encenada próximo ao Natal, conta a história de um aparelho utilizado para quebrar nozes com aparência humana, mas com pernas e cabeça desmensuradas. A protagonista da história, Clara, gostava tanto do objeto que o pediu como presente de Natal. Tipicamente romântica, na narrativa, o quebra-nozes se transforma num príncipe. Dizem os biógrafos que, dos três balés que compôs, esse é o que menos deixou o compositor contente com o resultado final. Tchaikovsky também compôs O Lago dos Cisnes e A Bela Adormecida.