Amanhã, essa massa de esperança fermentada de tantos passados quando virá? Tenho estado a imaginá-la: de que cor serão seus olhos e de que rigidez será a sua carne? E imagino-a com os olhos desfocados e a carne cansada, ainda que virgem, por tanta demora. Tenho estado a também olhar o embrulho dos meus ossos. Meus olhos ainda brilham à luz dos botequins; minha barba, meus cabelos e os pelos do meu peito embranquecem e a minha carne treme nas mãos da companheira. Sou o fiel retrato da espera. Ah! Se tivesse a liberdade tivesse vindo quando eu era menino – todos diziam na igreja, na escola, na mercearia, que você estava por vir. E aí seriam seus todos os meus rojões de um cruzeiro, os meus balões mexericas e o meu papagaio preferido, os primeiros que subiriam para iluminar seu caminho e colorir um pouco a bruma que restasse de ontem. Noites e mais noites sonhei que você seria aa capitã do meu time e faria gols como o Pelé e me protegeria das espingardas de sal e da molecada da Zona do Choque. Mas, que nada! Acabei virando goleiro, tive que melhorar a pontaria do estilingue e desistir das mangas da chacrinha. E assim a esqueci. Tornei a me lembrar de você quando os poetas invocaram a sua vinda. Depois vieram os soldados e começaram a prender os arautos, esquecidos que você fere, não prende e jamais tortura. E você passou então a ser lembrada em todos os minutos do dia, da noite e da madrugada. Dediquei-lhe versos e drinque silenciosos, imaginando-a com as cores morenas, passeando nas matas da América e namorando o Allende... Quando você vira, minha cara, para saber qual a cor dos meus olhos e a rigidez da minha carne? Eu já não a espero mais como antes porque você também não é mais a mesma. Ambos envelhecemos. Assim, quando você vier me farei distraído para não incomodar. Não levantarei drinques e nem cantarei hinos. Deixarei você trabalhar como os camponeses e operários. E de cada semente, de cada parafuso, você ouvirá o silêncio não de décadas, mas de séculos de esperança. Então venha, meu amigo. Se chegue mais na minha mesa. Conte-me por onde tem andado o seu coração, como é que se sente saudade do outro lado do mar, como se faz para manter o brilho do olhar e ainda encontrar o caminho do perdão. Venha, meu amigo. Guardei uma cachaça e um bolo de fubá para o seu bom paladar. Sente-se, meu amigo. Esse é o melhor caixote do boteco. Guradei para você. Pegue um porre, dance, ria, berre, cante o que quiser – aqui a noite nos pertence... aqui todos se pertencem. Há muito tempo aguardo a sua volta, poeta De Alverga, como um irmão mais novo, uma namorada, um pai. Como é bom saber que você é de carne e osso e não apenas um nome entre tantos, perambulando pelas páginas dos jornais, clamando seu direito de existir, amar, suar, andar ao lado da nossa sonhada Liberdade. Como é bom saber que você não traz as mãos postas e nem a cabeça baixa; que não há arrependimento nem ódio, apenas saudade e um balaio de perdões; que o seu coração está prenhe de justiça e amor. Vamos, meu amigo. Dia desses a gente se encontra. Te apanho para bater uma bola e ouvir passarinho. Quem sabe a gente ache um pomar carregadinho de jabuticabas ou até encontre um riacho, uma lagoa, molhar os pés de nossos sonhos... Ah!, meu amigo. Pena que nem tudo esteja como queríamos. Ainda há muito o que fazer – quase tudo – como levantar aquela cerca para nos proteger da corrupção, tirar as goteiras do celeiro da justiça e semear de novo a sempre sonhada democracia. Mas, por enquanto, meu velho amigo, vamos sair vagabundeando por aí como não quer nada e descobrindo que muitas das sementes plantadas vingaram apesar da estiagem politiqueira. Venha e sinta o peso das novas ferramentas e o desenho dos novos arados. Seja bem-vindo. Bom dia. Zeza Amaral é jornalista, escritor e músico