ANGELO ZANAGA TRAPÉ

Reflexão para o dia mundial da Ciência

24/11/2020 às 10:55.
Atualizado em 26/03/2022 às 21:37
Angelo Zanaga Trapé é médico e doutor em Saúde Coletiva, pela Faculdade de Ciências Médicas, FCM, da UNICAMP (DIVULGAÇÃO)

Angelo Zanaga Trapé é médico e doutor em Saúde Coletiva, pela Faculdade de Ciências Médicas, FCM, da UNICAMP (DIVULGAÇÃO)

A dramática doença do zikavírus atinge milhares de crianças em todo o mundo; no Brasil, somam mais de quatro mil recém-nascidos. O combate à doença ganhou recente alento, divulgado na revista acadêmica Nature, por Qiang Chen, da Universidade do Arizona, EUA. A esperança está numa substância tóxica encontrada, quem diria, na planta do criticado tabaco. Esta nova descoberta respalda o alerta da comunidade científica, sobre o ativismo contra inovações em diversas áreas da Ciência. Veja-se a anacrônica onda antivacina: ela eclodiu em 1998, quando o médico britânico Andrew Wakefield associou o autismo com a vacina tríplice viral, contra sarampo, rubéola e caxumba. Logo depois, porém, Wakefield foi denunciado: entre as doze crianças “analisadas”, cinco já portavam sintomas da doença antes de receberem a vacina, e três delas nunca tiveram autismo; por fim, a acusação de que Wakefield embolsara, para engendrar o pseudo-estudo, o suborno de 439 mil libras – cerca de R$ 3.2 milhões – dos advogados que tentariam processar fabricantes da vacina. Mesmo revelada a criminosa farsa, a onda antivaxxer se espalhou mundo afora. Se a Covid-19 já custou, até hoje, 1,3 milhão de vidas, os apelos de médicos para o uso de máscara, distanciamento social e a importância da vacina para reduzir o número de mortes têm sido tão inútil quanto pregar no deserto. “Quando governantes, políticos e formadores de opinião agem sem base em evidências científicas, o resultado dessa guerra é a erosão do pensamento”, escreve Shawn Lawrence Otto, no livro The war on science. O autor analisa que as cruzadas insanas movem grupos políticos de ideologias tanto da direita quanto da esquerda e, não raro, envereda por atalhos autoritários. É o caso, por exemplo, do episódio que envolve diretores de uma conceituada universidade estadual paulista. O grupo paralisou uma pesquisa – que a própria universidade já havia aprovado anteriormente – motivado por publicação de matéria, sem qualquer base científica, nas redes sociais de uma ONG, ativista contra o uso de tecnologias na agricultura. O jornalismo é aliado da Ciência ao traduzir as inovações ao grande público. Diferente da imprensa responsável, porém, na internet proliferam canais propagadores de insanas fakenews. Por isso, jamais se pode admitir que a comunidade científica seja influenciada por essas fontes negacionistas. O exército anticiência é bem analisado pelo físico Carlos Fiolhais e o bioquímico David Marçal. Autores do livro A Ciência e os seus Inimigos, eles analisam esses personagens sob sete ângulos: ditadores, ignorantes, fundamentalistas, vendilhões, obscurantistas, pseudocientistas e os exploradores do medo. Ao descrever os “ignorantes”, os autores demonstram como estes são manipulados pelos “exploradores do medo”. Lembram que inovações científicas sempre causaram temores. Na Idade Média, eram julgadas como ‘pactos com bruxaria’; na Revolução Industrial, encaravam-se como ideias de lunáticos a locomotiva e o avião. Há décadas vêm sendo descobertas substâncias, de fato mortais para micro-organismos e bactérias, mas que salvam milhões de pessoas: em 1928, o médico britânico Alexander Fleming formulou um poderoso combate a bactérias, a penicilina, que originou os imprescindíveis antibióticos. Apesar do grave cenário social e econômico no Brasil e no mundo, nas últimas décadas vivemos mais e melhor. A expectativa de vida aumentou 145%, nos últimos cem anos, de acordo com Thomas Kirkwood, da Universidade de Newcastle, Inglaterra. Os brasileiros, em 1964, tínhamos expectativa de vida, em média, de 54 anos de idade; hoje, 75,6 anos. As razões da maior longevidade estão nos notáveis avanços da Ciência. Nas pesquisas clínicas e epidemiológicas; na medicina preventiva e modernos exames diagnósticos; nas vacinações em massa; com as recentes cirurgias à distância; e graças à melhoria do saneamento e à alimentação adequada e disponível. Ou seja, neste Dia Mundial, é preciso reafirmar a confiança de que a Ciência vencerá a guerra em prol do desenvolvimento humano, justo e sustentável. Angelo Zanaga Trapé é médico e doutor em Saúde Coletiva, pela Faculdade de Ciências Médicas, FCM, da UNICAMP, onde lecionou entre 1986 e 2017; preside o Instituto de Pesquisas e Educação em Saúde e Sustentabilidade - INPES.

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