Dúvida (Reprodução)
As pessoas que não discordam abertamente de uma atitude concordam com ela. Esse tem sido o significado do ditado popular "quem cala consente" desde o século 13. A expressão foi cunhada por Bonifácio VIII, papa de 1294 a 1303, que deu origem ao "quietismo", uma falácia. Falácias são inferências inválidas da realidade que usamos para justificar nossas posições. Geralmente são argumentos que nada têm a ver com a ideia apresentada, mas recorremos a eles para obrigar nosso interlocutor a aceitar a validade de um argumento inconsistente. Enquanto algumas falácias manipulam os fatos, outras exploram aspectos da linguagem para confundir, apelando para a ambiguidade, a incompreensibilidade das afirmações ou a falta de significado das ideias.
A falácia do quietismo é baseada na ideia de que "os silenciosos concordam". Os que apelam para essa falácia argumentam que quem não argumenta a seu favor, não se defende e aprova o estado de coisas. Por exemplo, pode-se supor que uma pessoa é a favor de armas se não estiver se manifestando contra elas? Obviamente, este não é o caso. Silêncio nem sempre é sinônimo de consentimento. Essas são inferências que fazemos com base no que funciona melhor para nós. Pensar que o silêncio representa consentimento significa ignorar o contexto. Em 1997, o filósofo Raimon Panikkar disse que a sigefobia era uma das doenças do século. Ele estava se referindo ao medo do silêncio. Na verdade, muitas pessoas não se sentem totalmente confortáveis com isso. Estar com alguém e não dizer nada resulta em um "silêncio constrangedor". Muitas vezes, a sensação de desconforto é tão grande que gera ansiedade e faz com que quebremos o silêncio o mais rápido possível, introduzindo qualquer assunto, por mais trivial que seja. De fato, este não é um fenômeno estranho se considerarmos que vivemos numa sociedade onde as imagens e as palavras dominam e até se sobrepondo aos fatos.
O silêncio nos assusta porque traz significados ocultos e perigos que não sabemos administrar. O silêncio é impreciso. Podemos dizer muitas coisas através dele, mas o significado não pode escapar da ambiguidade. É por isso que preferimos nos ater às palavras. Tememos o não dito porque gera insegurança. Não sabemos como reagir. Por isso é mais fácil pegar atalhos e pensar que o silêncio é sinônimo de consentimento. Mas essa inferência envolve abstrair do contexto e evitar - quase sempre intencionalmente - que o silêncio possa ser causado por submissão ou resignação. Bom domingo!