Gustavo Mazzola é jornalista e membro da Academia Campinense de Letras (DIVULGAÇÃO)
A pandemia modificou hábitos a que estávamos acostumados durante anos a fio: você se lembra de quando, descontraídos, passeávamos pelos shoppings, sentindo o contato pessoal de todos dentro daquela multidão de pessoas, daquele chope geladinho com os amigos num barzinho do bairro, duma boa sessão de cinema? Também, participávamos de todos os encontros programados, frequentávamos os parentes e amigos... e muitas outras coisas mais. Sim, é claro, já podemos fazer quase tudo isso hoje, mas com certa parcimônia, perseguidos pelo medo do contágio do Coronavírus, guardando distanciamentos e usando máscaras. Tudo passou a ser virtual, através das telas do notebook ou do celular, do vídeo da televisão. E no âmbito cultural? Temos aí a realidade do que acontece, principalmente, nas academias literárias, centros de estudos das letras e das artes, mantenedores da história: essas entidades enfrentam a impossibilidade de contatos pessoais e, com obstinação, oferecem a oportunidade das telas aos seus afiliados, um esforço para, assim, continuarem se encontrando, e seguindo firmes com suas atividades. Quem está dando um bom exemplo, já com resultados admiráveis, é uma entidade de tradição em Campinas, centenária, sempre atuante nas suas programações de clássicos, instrumentais e de canto lírico: o Centro de Ciências, Letras e Artes que, para marcar o seu 119º. aniversário de fundação, acaba de inaugurar um canal na Internet (Youtube ou pelas páginas do Facebook), de onde, agora, exibe virtualmente ações de caráter artístico e científico, como palestras, mostras, cursos e recitais memoráveis. Seu presidente, Alcides Ladislau Acosta, é quem comenta: “31 de outubro, fundação do CCLA, é uma data importante para a entidade, pois lembra os artífices dessa obra cultural, figuras que perseveraram em seu projeto, superando dificuldades, percalços, descréditos e indiferenças... mas que transformaram o nosso Centro de Ciências numa realidade. Dificuldades existiram, mas sempre foram superadas.” Onde mais podemos encontrar ações especialmente ligadas a manifestações musicais eruditas, através de uma tela, bem confortáveis e seguros, dentro de nossas casas? São muitas as opções, algumas aqui por perto, outras mais distantes. Três delas me vêm à mente: O Canal 8 da Net, inserido em horários de sua grade semanal, tem o programa Partitura, dirigido e apresentado pela mezzo-soprano Vera Pesagno Brescia. Ali se apresentam cantores líricos e orquestras sinfônicas de renome internacional. É um admirável festival de arte e bom gosto. No domingo é a vez da TV Brasil apresentar, às 22h30, um programa com nome parecido com o do Canal 8 de Campinas, Intervalos: para o deleite dos amantes da música erudita, apreciam-se conjuntos musicais variados. Num desses domingos, foi a vez de um Quarteto com obras de Heitor Villa-Lobos. Às 23 horas, também, aos domingos, a TV Senado nos oferece concertos memoráveis com orquestras famosas no mundo inteiro. É o programa Concertos Especiais, uma produção erudita para não se perder. Quando registro todas essas incursões dos clássicos pelas telas, fica difícil deixar de me lembrar de eventos líricos musicais em que estive presente lá pelos meados dos anos 60: entre eles, quase como uma premonição do que aconteceria cinquenta e tantos anos depois, a TV Tupi paulista tinha no ar, aos domingos, sempre às 10 horas da manhã, o programa Concertos Matinais, levado diretamente do Teatro Municipal de São Paulo. Para lá íamos, às vezes, eu e meus amigos Luiz Carlos Borges, Paulinho Salomão e Francisco Rossi, ansiosos por assistir “ao vivo” o que era apresentado naquele palco famoso. Mas, em alguns desses domingos, preferia ver o Concertos Matinais de casa mesmo, na minha TV de 17 polegadas, chuviscada e em preto e branco. Numa dessas ocasiões vivi um momento do qual, hoje, considero particularmente surpreendente: à frente de uma grande orquestra, apresentou-se um jovem ao piano, magrinho, de óculos. Emocionou a plateia, foi ovacionado, com todos de pé, durante vários minutos. Ao final, depois de se curvar diante da plateia diversas vezes, agradecendo aos aplausos, foi apresentado pelo coordenador do programa, que anunciou: - O nome do jovem pianista, presente nesta manhã em nosso programa, é João Carlos Martins. Gustavo Mazzola é jornalista e membro da Academia Campinense de Letras - [email protected]