Adilson Roberto Gonçalves

O líder falho

Adilson Roberto Gonçalves
29/03/2022 às 21:12.
Atualizado em 30/03/2022 às 11:22
Parece que nossa sociedade sempre necessitou de líderes, forjados, criados ou surgidos "naturalmente" (Ilustração)

Parece que nossa sociedade sempre necessitou de líderes, forjados, criados ou surgidos "naturalmente" (Ilustração)

Parece que nossa sociedade sempre necessitou de líderes, forjados, criados ou surgidos "naturalmente". A palavra entre aspas expressa as dúvidas quanto àquilo que possa ser tido como natural, ou seja, seguindo as leis físicas do universo. Leis sociais podem divergir - e muito - da física, da química, da biologia e da matemática. O líder pode ser alçado a essa condição pelo que realiza, independente de sua vontade de liderar. Há, porém, os que se obrigam a tal mister, mesmo visivelmente não tendo a menor condição de expressar, entender e representar o que aquele grupo quer.

Diz-se que o bom líder vai ouvir todas as opiniões e elaborar uma que seja o mais próximo da média, mas também não longe do que ele propriamente pensa. Conduzirá todos a um objetivo comum com controvérsias serenizadas. Ou então será um líder falho, tentando impor uma minoria ruidosa sobre uma maioria silenciosa. Assim acontece com muitos desses grupos e, pela incapacidade ou desinteresse de propor e conduzir mudanças, os membros se afastam. Sim, até reclamam entre si em conversas privadas e paralelas, mas isso fica longe de alterar as condutas falhas do líder ou, em caso extremo, articular pela sua substituição.

Para pequenas resoluções, o líder deverá ter desenvolvido um grau de confiança entre seus liderados de tal forma que não necessitará de autorização para tais atos e nem se justificará, pois entenderão o que foi preciso fazer. Quando o líder se vale de explicações, confunde-se, tenta contemporizar, ou seja, se enrola para dizer o que fez e por que assim agiu, aí transparece o líder falho. E se envolver dinheiro nessa confusão, então, o tropeço valoriza-se! O líder pode não perceber suas falhas por não conhecer realmente o que é seu grupo ou ter se convencido que ele criou o grupo, quando é o contrário, o grupo que cria o líder.

Quanto mais heterogêneo for o grupo, mais vulnerável a um líder falho ele fica. No âmbito político, isso deveria ser menos traumático, porque pressupõe-se que a formação da agremiação partiu de um fundamento único e bem estabelecido. A mesma confluência total de interesses não acontece em grupos educacionais, científicos, culturais e religiosos. Do último conjunto nada posso falar por total desconhecimento de causa. Dos demais, objetivos comuns educacionais podem emperrar exatamente pelas posições políticas assumidas por uns e outros. Na ciência, a valorização de certos tópicos em relação a outros pode escamotear um financiamento interesseiro de um lado, uma pretensão pessoal de outro ou até convicções religiosas conflitantes com verdades científicas universais (nem precisamos falar dos terraplanistas em posição de destaque em governos!). Sim, posso ter omitido as divergências em um grupo político, mas, ao menos ali, o enunciado é que há uma causa a se defender.
Quanto à cultura, esse ambiente heterogêneo e revolucionário por definição, não são raras as tentativas de homogeneização ou padronização para um pensamento único. Já discorri aqui sobre a literata que conhecia apenas duas pessoas com opinião política distinta da dela ("A mentira como esperança", 10/2/2022, A3), improvável, ainda mais vivendo em ambiente cultural. Essa visão restrita do membro não poderia ser a do líder. Grupos culturais comumente se dedicam a um recorte das manifestações artísticas, literárias, musicais e outras em um território restrito. Clamam, talvez, pela universalidade dentro de suas peculiaridades, mas o líder sabe que não pode impor esse limite a todos. Se falho, esse líder atribuirá como inculto o que está fora de seu grupo, ou fora do que ele pensa que o grupo representa. E não é apenas o contraponto entre clássico e moderno, popular e erudito. Quando a ideologia do pensamento único adentra o grupo, trazida pelo líder falho, perdemos todos, participantes e usuários das ações culturais.
Em tempo: não tenho qualquer estudo de antropologia ou história em minha formação e, assim, antecipadamente, justifico minhas prováveis inconsistências nestas reflexões.

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