(Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
O leitor Renan enviou sua pergunta, questionando sobre a abordagem da política monetária para conter a inflação: "Por que se insiste em usar juros altos para lutar contra a inflação, quando já vimos que juro alto só significa empréstimos mais caros e população mais endividada? Na minha opinião, a inflação tem que ser enfrentada pelo lado da oferta, com aumento da produção". Comento a seguir.
Solução Concreta
O Renan apresenta uma argumentação interessante e que tem sua lógica. Em termos de princípios, não há correções a fazer em seus argumentos. No entanto, em termos práticos, as dinâmicas de demanda e oferta, que irão estabelecer os preços de equilíbrio de bens e serviços, exigem uma abordagem mais concreta ou, poderíamos dizer, menos idealista.
a frase
“A coragem é saber o que não temer."
Platão, filósofo grego
Princípio
A ideia por trás da elevação da taxa de juros é a de que a inflação é um processo monetário, ou seja, a alta dos preços ocorre por que há excesso de dinheiro em circulação. Como quase tudo em economia, excesso ou escassez são termos relativos. Excesso de dinheiro em circulação significa maior liquidez e maior tendência a gastar mais no curto prazo. A demanda sobe, mas a oferta não acompanha no mesmo ritmo e os preços sobem para resolver esse desequilíbrio.
Mecanismo
Juros mais altos tornam mais caro tomar empréstimos e financiamentos. Isso diminui o dinheiro em circulação. Juros mais altos também fornecem um incentivo maior para que as pessoas poupem, porque o dinheiro no banco rende mais. Isso também diminui o dinheiro em circulação. Com isso, o efeito esperado é uma diminuição da demanda de curto prazo, aliviando a pressão sobre a oferta e reduzindo os preços.
Oferta
O aumento da oferta também funcionaria como uma solução para o desequilíbrio, atendendo à demanda aquecida e mantendo os preços originais. No entanto, a oferta é menos flexível do que a demanda e é mais difícil aumentá-la no curto prazo. Se dinheiro em circulação estimula a demanda, o aumento da oferta não depende de dinheiro em circulação, mas de dinheiro aplicado (em máquinas, ferramentas, matérias-primas, insumos, etc.).
Endividamento
Como acontece em quase todo remédio, aqui também existem efeitos colaterais. A elevação do endividamento das famílias seria um efeito colateral da alta de juros que visa reduzir a circulação de dinheiro e controlar a inflação. Como nos medicamentos, para que o efeito colateral seja mínimo é preciso ajustar a dose da alta de juros para o nível correto.
Inflação
Por esta razão a autoridade monetária utiliza diferentes medidas de inflação para calibrar a política monetária. Além da inflação cheia, medida pelo IPCA, o Banco Central avalia o núcleo da inflação e as projeções da inflação futura. O núcleo da inflação exclui variações no preços de alimentos e energia, que estão mais expostos a variações e choques sazonais. O problema, que exige juros mais altos, acontece quando o núcleo da inflação está contaminado.
Prática Mundial
A elevação da taxa de juros para combater processos inflacionários disseminados e duradouros é uma prática adotada internacionalmente. Tem sido aplicada nos Estados Unidos, Canadá, União Europeia, Reino Unido e em todas as principais economias do mundo. Juros elevados também foram adotados no Brasil, na implantação do Plano Real, colaborando para deter o processo de hiperinflação.
Prática Mundial 2
É claro que a alta dos juros traz problemas e limita o potencial de crescimento econômico. O que se deseja é que o período de juros elevados seja o mais curto possível, mas isso depende da reação dos preços e da economia como um todo. Deve-se lembrar que a estabilidade dos preços também é importante para a economia, pois mantém o poder de compra da moeda, aumenta a previsibilidade e favorece investimentos e o crescimento real do país.