Dúvida do Leitor

A leitora Gabriela enviou uma mensagem pedindo comentários sobre uma argumentação específica. A Gabriela pergunta: "Gostaria que você fizesse comentários sobre o argumento de que as despesas públicas são fundamentais para o desenvolvimento dos países e um exemplo disso são as navegações portuguesas que elevaram Portugal ao status de potência mundial nos séculos XV e XVI e foram todas bancadas pelo Estado". Comento a seguir. 

Generalização

É verdade que Portugal teve um período de grande riqueza durante a época das navegações e que estas foram todas custeadas pela coroa portuguesa. Isso é um fato. No entanto, não podemos incorrer no erro da generalização: utilizar um caso específico como exemplo e generalizá-lo como regra para todas as situações, desprezando as particularidades de espaço, tempo, recursos disponíveis, etc. 

FRASE

"Estado Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal."

Fernando Pessoa, poeta português

Estado
As navegações portuguesas foram custeadas pelo Estado porque não havia outra alternativa. Ainda não existia o capitalismo ou empresas privadas. Todos os empreendimentos daquela época precisavam ser custeados pelo Estado ou pela Igreja. Não havia nenhuma outra alternativa possível de financiamento de qualquer tipo de empreendimento. 

Democracia
Outra coisa que não existia na época era a democracia. A maioria das nações europeias estava organizada em monarquias absolutistas. O que o soberano decidisse era lei. Não havia grandes preocupações em zelar pelo bem estar social e muito menos em prestar contas sobre os gastos da coroa. As navegações foram bancadas para estabelecer colônias e buscar riquezas em outras terras, mas essas riquezas eram destinadas à coroa e não ao povo português. 

Legado
Portanto, estabelecer uma ligação direta entre a riqueza da coroa e o desenvolvimento do país é algo duvidoso. Podemos facilmente imaginar que, por volta de 1500, a maioria das pessoas no reino português vivia mal. O que não era incomum para a época, aliás. É certo que os investimentos feitos por Portugal geraram inovações tecnológicas em navegação e cartografia, que fizeram do país uma potência dos mares no século XV. Mas o que foi feito disso? 

Frete
Qual a atividade de Portugal que gerava riquezas? Basicamente, frete. Portugal mandava caravelas para buscar especiarias nas Índias (canela, gengibre, açafrão, cravo, etc.) e ganhava com isso. Canela era barata na Índia porque eles tinham muito, mas era cara na Europa que não tinha esse produto. Enchia-se uma caravela de canela na Índia, a um custo baixo, para vender na Europa a um preço alto, no melhor espírito mercantilista da época.

Mercantilismo 
Os lucros eram altíssimos porque a diferença de valor era enorme. Tão altos a ponto de justificar o financiamento das viagens que duravam semanas, mas que valiam a pena porque cada caravela que chegava carregava uma fortuna. Para a coroa portuguesa, bastavam os lucros elevados. Não havia preocupação em desenvolver outras atividades ou com o bem estar da população em Portugal e muito menos nas colônias. 

Decadência
Quando as rotas de comércio dominadas por Portugal perdessem o valor, seja pelo estabelecimento de rotas alternativas, ou pelo surgimento de novos fornecedores ou o estabelecimento de um novo modelo econômico (o que de fato aconteceu), as fontes de riqueza de Portugal cessariam por completo. A potência dos mares entraria em decadência assim que o valor relativo das mercadorias diminuísse. 

Gestão
É certo que as despesas públicas podem ser um instrumento para fomentar a atividade econômica e para realizar investimentos que a iniciativa privada não está disposta a fazer. No entanto, nem todas as despesas públicas têm resultados positivos. Existem casos em que os investimentos do Estado não se traduzem em desenvolvimento econômico sustentável ou melhoria da qualidade de vida. A eficácia das despesas públicas depende de gestão eficiente, transparência e responsabilidade.