CARLOS CRUZ

Doria? O tempo dirá

Carlos Cruz*
31/03/2022 às 15:51.
Atualizado em 31/03/2022 às 15:51
Hoje o governador João Doria renuncia ao governo do Estado de São Paulo para se candidatar a presidente da República (Divulgação)

Hoje o governador João Doria renuncia ao governo do Estado de São Paulo para se candidatar a presidente da República (Divulgação)

No início dos anos oitenta havia um jornalista da Rede Globo que atuava realizando reportagens externas principalmente para o Jornal Nacional. Fazia suas matérias principalmente de Brasília, cobrindo o Congresso Nacional e as notícias da política.

Antônio Brito era seu nome, gaúcho, competente e com texto falado impecável, sempre sério, reportava com extrema sensibilidade jornalística e transmitia absoluta credibilidade numa época efervescente da história política pátria, como a campanha “Diretas Já” e depois a candidatura a Presidente de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral.

Eleito, Tancredo convidou Antônio Brito para ser seu “porta voz” no período de transição, enquanto cuidava de compor seu Ministério e seu Governo. Assim, Brito passou a ser figura proeminente da “nova república”, encarregado de anunciar diariamente a marcha dos acontecimentos. Quando todos fomos surpreendidos com a doença de Tancredo, criou- se forte comoção, até que Antônio Brito anunciou, emocionado, o falecimento de Tancredo Neves.

Com tanta exposição e visibilidade, além do impacto da notícia por ele transmitida, tornou-se figura pública de tal popularidade que se elegeu Deputado Federal e, em 1994, Governador do Rio Grande do Sul.

Quando falo com amigos gaúchos, ouço deles que Antônio Brito foi um governador excepcional, gestor admirado que consertou as finanças do Estado e ajustou a máquina pública, porém sem qualquer vocação ou habilidade para a prática política, sempre aparentando mau humor e sem tato e paciência para articulações e relacionamento com os prefeitos do estado. Resultado: embora reconhecido como bom governador, era rejeitado como político, o que motivou a sua derrota eleitoral quando tentou a reeleição, caindo no ostracismo e desaparecendo do cenário político e da vida pública.

Hoje o governador João Doria renuncia ao governo do Estado de São Paulo para se candidatar a presidente da República, com seu partido “rachado”, dividido entre seus apoiadores e aqueles que insistem em negar-lhe qualquer possibilidade eleitoral, em razão dos insignificantes índices alcançados até agora nas pesquisas e sua altíssima rejeição.

Sua história não difere da de Antônio Brito, pois com apenas seis anos de atuação política (elegeu-se Prefeito de São Paulo em 2016, lembram?, com o lema “não sou político, sou gestor”) e fortes contradições nesse período, quer tornar-se Presidente da República, mesmo após acumular um sem-número de desafetos, desgostosos com sua soberba e descuido com compromissos assumidos e com sua palavra empenhada.

Inegavelmente, tem o que mostrar, desde a fabricação da vacina contra a Covid-19, como obras por todo o Estado, finanças equilibradas e dinheiro em caixa. Porém há, por outro lado, a insatisfação provocada pela forma com que comandou a crise da pandemia e com a ausência de carisma e uma imagem pessoal muito aquém de simpática ou popular.

Nesse cotejamento das virtudes e defeitos de Doria, para se aferir suas possibilidades eleitorais só mesmo o tempo para sabermos. Mas salta aos olhos de quem acompanha as coisa da política e conhece seu “modus operandi” de administrar a coisa pública como se fosse uma entidade privada, toda sua e ao sabor de suas vontades, subestimando as relações políticas.

Há fortes suspeitas de que não chegará a lugar nenhum.

Apoderou-se do Partido e tornou-se seu dono, afastando figuras históricas e respeitadas por não fazerem parte de seu grupo, e trouxe para dentro pessoas sem qualquer histórico, afinidade ou identificação com o partido. Resultado: seu “desacolhimento” começa dentro de sua própria “casa”.

Doria escolheu de vontade própria seu sucessor, eleito seu Vice em coligação partidária e agora, trazido para o seu Partido, pretende elegê-lo Governador. Embora sério e preparado, seu candidato terá sérias dificuldades eleitorais se for contaminado pela grande rejeição de seu “padrinho”.

Isso sem contar o fato de que, ao contrário do cenário federal, onde a polarização se consolida, estreitando cada vez mais a possibilidade de “terceira via”, em São Paulo a “terceira via” avança ameaçando tornar-se viável e competitiva, com seu candidato se encaixando e transitando justamente sobre o eleitorado do candidato de Doria, movendo-se confiante do centro para a direita.

Quem conhece a política e sua história nos últimos trinta e cinco anos, o tempo de vida do PSDB, sabe quem são seus fundadores e quais dogmas, princípios e ideologia que inspiraram sua criação e o quanto foi descaracterizado a partir da ascensão de Doria ao poder e controle partidário.

Repito que o tempo dirá as reais possibilidades que João Doria terá para reverter esse quadro nada animador quanto às suas pretenções presidenciais, cuja situação atual, ao deixar o Governo do Estado, e com os índices negativos de agora, me faz lembrar de uma história com circunstância semelhante:

“Um grande intelectual, culto e respeitado, certa feita foi convidado para proferir”aula magna” em uma Universidade numa Semana de Estudos. Esse Professor era reconhecidamente “vaidoso”, “presunçoso” e “imodesto”.

Pois bem, ao adentrar no auditório, lotado, para proferir sua “conferência”, foi muito aplaudido. Mas entrou de queixo erguido, nariz empinado, senhor de si e sem olhar para ninguém. Cheio de livros nos braços (talvez para evitar dar a mão), tomou seu lugar na “mesa de honra”.

Após saudado e homenageado, foi-lhe concedida a palavra para sua “aula”.

Com invulgar arrogância começou a falar usando de vocabulário incompreensível, dizendo coisas incompreensíveis e desenvolvendo raciocínios incompreensíveis, transformando sua “oração” em arrastada “arenga”ou “ladainha”sem fim. A plateia, insatisfeita e sem se sintonizar com o discurso, aos poucos foi saindo, e à medida que o tempo ia passando, o auditório ia ficando cada vez mais esvaziado.

Quando terminou sua participação, notou que o ambiente estava quase que completamente vazio e sem ninguém para o aplaudir ou mesmo elogiar.

Percebendo sua solidão, humilhado e desprezado, pegou seus livros e foi saindo humilde e cabisbaixo, e quando passou por uma velha senhora que chegara cedo e ficara até o fim prestando atenção a tudo, ela lhe disse:

“Meu filho, se você tivesse entrado como está saindo, você estaria saindo como entrou”.

*Carlos Cruz é advogado, ex-vereador, presidente da Câmara e ex-vice-prefeito de Campinas

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