Maracatu Baque Mulheres anima os foliões na Rua 13 de Maio, no Centro (Kamá Ribeiro)
Carnaval é época de alegria, de diversão e também de descanso. Um descanso da alma, necessário para recarregar as energias e começar efetivamente o ano, enfrentando os desafios que nos aguardam. Como diz o começo da letra do samba “Com que roupa?”, de Noel Rosa: “Agora vou mudar minha conduta, eu vou pra luta, pois eu quero me aprumar. Vou tratar você com força bruta, pra poder me reabilitar, pois esta vida não está sopa, e eu pergunto com que roupa?”.
Com que roupa?
“Com que roupa?” é talvez a composição mais famosa de Noel Rosa, o compositor fluminense com origem na Vila Isabel. Também conhecido como o Poeta da Vila, Noel Rosa compôs “Com que roupa?” em 1930, quando tinha apenas 19 anos de idade. Contextualizando o período e prestando atenção à letra da música, percebe-se que a questão “Com que roupa que eu vou? Pro samba que você me convidou” também fala de economia.
FRASE
"A mulher e o dinheiro são, afinal, as únicas coisas sérias deste mundo"
Noel Rosa, compositor e sambista brasileiro
Grande Depressão
Em 1929 houve a primeira grande crise financeira mundial, cujo ápice foi a quebra da Bolsa de Nova Iorque. Os Estados Unidos haviam passado por um período de enorme crescimento, fornecendo produtos para a Europa destruída pela Primeira Guerra. No entanto, esse crescimento foi acelerado demais. A euforia com o boom fez a produção se expandir demais, mais até do que o mercado consumidor poderia absorver, até que a situação se tornou insustentável.
Grande Depressão 2
Em determinado momento, houve um grande ajuste. Devido à superoferta, os preços despencaram assim como os ganhos das empresas. Muitas acabaram quebrando, provocando um efeito em cascata que atingiu todo o mundo ocidental, pois os Estados Unidos já tinham grande participação na economia mundial. O Brasil, que baseava sua economia quase inteiramente na exportação de café, também foi duramente afetado, pois ficou sem ter para quem vender.
Café
O Brasil dominava o fornecimento mundial e sustentava sua economia com as exportações de café. Com a crise internacional, as exportações despencam e os recursos deixam de entrar. O governo chegou a promover queimas de estoque de café, para manter os preços elevados. “Agora eu não ando mais fagueiro, pois o dinheiro, não é fácil de ganhar. Mesmo eu sendo um cabra trapaceiro, não consigo ter nem pra gastar. Eu já corri de vento em popa, mas agora com que roupa?”.
Mudança
A crise internacional e a súbita queda na demanda de café obrigaram o Brasil a reestruturar sua economia, o que acabou acelerando o processo de industrialização do país. Mas nos primeiros anos, a falta de recursos e a necessidade de mudança foram traumáticas. “Eu hoje estou pulando como sapo, pra ver se escapo desta praga de urubu. Já estou coberto de farrapo, eu vou acabar ficando nu. Meu paletó virou estopa, eu nem sei mais com que roupa?”.
Capital
Junto com a queda das exportações e os recursos que elas traziam, o capital internacional também se tornou extremamente escasso. A crise afetava o mercado financeiro mundial. “Seu português agora foi-se embora, já deu o fora e levou seu capital. Esqueceu quem tanto amava outrora, foi no Adamastor pra Portugal, pra se casar com uma cachopa, e agora com que roupa?”.
Industrialização
A crise de 1929 e a queda na demanda internacional de café fizeram o Brasil ter que abandonar o modelo agrícola de desenvolvimento, baseado na monocultura e exportação desse único produto. O Brasil precisou iniciar sua industrialização, com financiamento interno. Ou voltando aos primeiros versos: “Agora vou mudar minha conduta, eu vou pra luta, pois eu quero me aprumar”.
Obra
Noel Rosa foi um compositor genial e deixou uma bela obra, mesmo tendo uma morte prematura. O Poeta da Vila morreu aos 26 anos, vítima da tuberculose. Ninguém sabe exatamente o que se passava na cabeça de Noel Rosa, mas ele, mesmo muito jovem, soube captar a atmosfera de sua época e traduzi-la em versos que fazem todo o sentido até hoje, e que fazem parte da nossa história.