COLUNA

A Amazônia brasileira não caiu do céu

Evaristo de Miranda
05/09/2022 às 10:53.
Atualizado em 05/09/2022 às 10:55
A Amazônia brasileira não caiu do céu (Ilustração)

A Amazônia brasileira não caiu do céu (Ilustração)

Tempo de comemorar: 200 anos de Independência, 95 anos do Correio Popular e o Dia da Amazônia, celebrado, nesta segunda-feira, 5 de setembro. Nessa data, em 1850, D. Pedro II decretou a criação da província do Amazonas, fortaleceu sua autonomia e desenvolvimento. A Lei nº 11.621, em 2007, determinou esse dia festivo. Não foi fácil conquistar a Amazônia brasileira.

No século XVI, a Amazônia pertencia a Espanha. A pátria do cacau, da seringueira e do guaraná não era lusitana, nem de direito, nem de fato. De direito, estava incluída na parte espanhola, a Oeste da linha demarcatória do Tratado de Tordesilhas de 1494. De fato, o Vicente Pinzon foi o primeiro a chegar na Amazônia em fevereiro de 1500. Ele descobriu a foz rio de Santa Maria de la Mar Dulce cujas águas, pelos cálculos dos marinheiros, avançavam vinte léguas mar adentro.

Nos séculos XVI e XVII, os portugueses tomaram ações, impulsionadas por uma política de estado, para conquistar a bacia amazônica. O interesse pela região e pelo Marañon foi claramente manifesto pela primeira expedição povoadora de Martim Afonso de Souza em 1531.

Ponto decisivo nessa conquista foi a saga naval de Pedro Teixeira. Em 1637, ele comandou uma expedição com 1200 índios de remo e peleja, 70 soldados em 47 canoas e gente de apoio, num total de 2000 pessoas. Partiu em sigilo de Cametá, não de Belém, para não denunciar sua intenção aos espanhóis. Subiu o Amazonas e chegou até Quito, capital do Vice-Reino do Peru.

Pedro Teixeira reconheceu e mapeou o rio Amazonas. Lançou marcos lusitanos e tomou posse das terras mais ocidentais da Amazônia. Registrou esse evento em ata notarial, registrada em Belém, Lisboa e até em Madri, aproveitando a união das Coroas ibéricas.

A presença portuguesa em grande parte da bacia, sobretudo através dos missionários católicos, permitiu a Portugal integrar a Amazônia ao Brasil. O brasileiro Alexandre de Gusmão, embaixador e secretário de D. João V, argumentou os direitos portugueses sobre a Amazônia com base no princípio jurídico do uti possidetis: quem ocupa um território é seu proprietário, utilizado até hoje no direito internacional.

Os Tratados de Madri (1750), de San Idelfonso (1777) e do El Pardo (1778) substituíram as fronteiras de Tordesilhas. Pela Amazônia, entre outros ajustes territoriais, Portugal abriu mão do acesso à embocadura do rio da Prata e cedeu o atual Uruguai (província do Sacramento) à Espanha. Na Ásia, Portugal renunciou a seus direitos sobre as Filipinas e Marianas à Espanha. Na África, cedeu à Espanha seus direitos sobre as ilhas de Fernando Pó e Ano Bom, e sobre a costa da foz do rio Níger à do Ogooué. Esse espaço hoje inclui Nigéria, Camarões, Guiné Equatorial e Gabão. Tudo pela Amazônia!

Muita gente fala da Amazônia sem ter a menor ideia de como um território equivalente à metade do país foi incorporado e integrado ao Brasil. A consolidação das fronteiras internacionais da Amazônia ainda levou quase um século do Império à República. Foram negociações sobre territórios, acordos e tratados. Os de Ayacucho (1867) e Petrópolis (1903) com a Bolívia; o de Bogotá (1907) com a Colombia; o de Limites (1851) e do Rio de Janeiro (1909) com o Peru; o da Questão do Pirara (1829 a 1904) com a Inglaterra; o de Utrecht com a França (1713) e ainda sobre Amapá, com arbitragem da Suiça (1900).

Este 5 de setembro relembra o trabalhoso caminho, de D. Manuel a D. Pedro II e ao início do século XXI, até a conquista da Amazônia brasileira. Não caiu do céu. Dar vida digna a mais de 25 milhões de habitantes da Amazônia e a um milhão de produtores rurais é fundamental, quando discursos e propostas de tantos ignoram sua existência.

O general Rodrigo Otávio Jordão Ramos, deixou frase lapidar, presente na fachada dos quartéis na Amazônia: Árdua é a missão de desenvolver e defender a Amazônia. Muito mais difícil, porém, foi a de nossos antepassados em conquistá-la e mantê-la.

■ ■ Evaristo de Miranda é doutor em ecologia, pesquisador da Embrapa Territorial

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Correio Popular© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por