ENTREVISTA

Olhares atentos à coqueluche

Doença, que havia caído no esquecimento, passou a registrar 50 milhões de casos e 300 mil mortes por ano no mundo

Karina Fusco
karina.fusco@rac.com.br
07/07/2013 às 07:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 09:47

A coqueluche, doença causada pela bactéria Bordetella pertussis que compromete as vias respiratórias, ficou esquecida por muitos anos, pois pouquíssimos casos eram registrados. Porém, o cenário está mudando. Dados da Secretaria Municipal da Saúde de Campinas apontam aumento dos casos a partir de 2011. Em 2010, foram registrados apenas sete na cidade, mas em 2011 esse número subiu para 56. Ano passado, ocorreram outros 91. Em 2013, até o momento, há 26 casos confirmados.

Porém, segundo o médico infectologista Rodrigo Angerami, do Departamento de Vigilância em Saúde da Prefeitura de Campinas e do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o fenômeno não é exclusivo do município. “É uma tendência global”, diz.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que haja 50 milhões de casos e 300 mil mortes por coqueluche por ano no mundo. Outro dado que nos coloca em alerta é que ela está em quinto lugar no ranking das causas de mortalidade infantil por doenças passíveis de controle por meio de vacina.

O especialista fala à Metrópole sobre o que pode estar por trás deste aumento de registros, o porquê de a doença ser perigosa, principalmente aos bebês, as formas de tratamento e a importância de renovar a vacina a cada dez anos.

Metrópole – O aumento dos casos de coqueluche em Campinas são alarmantes?

Rodrigo Angerami – Não. Houve um crescimento nos últimos anos, mas não é algo que acontece só aqui; ocorre também em todo o Brasil e em muitos países desenvolvidos. Por aqui, o que nos chama a atenção é que a doença vem acometendo, principalmente, crianças menores de um ano (cerca de 2/3 dos casos), sendo que 50% delas tem menos de seis meses. Isso reafirma o que os dados da literatura médica colocam: esse é o grupo mais vulnerável à infecção e também à maior gravidade da doença, pela imaturidade imunológica. Essas crianças se infectam mais e a doença tende a ser mais severa do que em outras faixas etárias. Por esse motivo, é importante ressaltar que é neste grupo que a coqueluche se associa também a maior letalidade.

Como pode ser explicado o cenário atual?

De diferentes formas: uma das hipóteses mais relevantes é a perda de imunidade. Sabemos que a vacina é eficaz, mas, com o passar dos anos, há um declínio progressivo da taxa de proteção. Após cinco anos da última dose, tomada entre quatro e seis anos, a proteção passa a ser de cerca de 50% do que se esperaria e depois de dez anos ela se perde. Porém, é preciso considerar outros fatores, como maior atenção dos médicos em relação à suspeita, incremento na capacidade de diagnóstico laboratorial e, embora menos provável, não se pode descartar uma possível emergência de novas cepas (tipos) da bactéria Bordetella pertussis.

Atualmente, como é aplicada a vacina contra a coqueluche?

Dentro do calendário do Programa Nacional de Imunizações (PNI), ela é aplicada no segundo, no quarto e no sexto meses de vida. Há nova aplicação no 15º mês e, depois, entre quatro e seis anos, totalizando cinco doses. Com o declínio progressivo da taxa de proteção induzida pela vacina com o passar dos anos, por volta de 14 a 16 anos há nova vulnerabilidade à doença.

O que isso pode significar?

O grande problema de se tornar vulnerável não é o fato apenas de adoecer na fase adulta, mas também de se tornar fonte de infecção na comunidade. Se um adulto que naturalmente perde sua imunidade contra a coqueluche se infecta e convive com crianças pequenas pode transmitir a elas a doença. Nos adultos, muitas vezes, a coqueluche tende a se resolver espontaneamente, passando por quadros que se confundem com bronquite, laringite, traqueite ou mesmo sinusite. É nesse período relativamente prolongado de sintomas que pode ocorrer a transmissão a outras pessoas.

Há como imunizar novamente essas pessoas?

Sim, mas é preciso pagar por isso, pois essa nova imunização não é contemplada pelo PNI, que só fornece as doses gratuitas para as crianças e, em breve, pode incluir também as gestantes. Então, para se obter a proteção contra a doença, a recomendação é a vacina tríplice bacteriana acelular do adulto (dTpa), que induz à imunidade contra difteria, tétano e coqueluche, mas só é encontrada na rede privada. A Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIM) a recomenda para adolescentes e adultos a cada dez anos. Portanto, na medida do possível, principalmente quem tem contato com crianças pequenas, como pais, profissionais da saúde, professores ou cuidadores, deve se vacinar.

As crianças que já receberam as primeiras doses da vacina não estão totalmente protegidas?

Não. Para a vacina ser, de fato, eficaz, a criança precisa ter tomado pelo menos três doses. A cada uma que ela recebe há um incremento da imunidade e, consequentemente, da proteção contra a doença.

Quais são os sintomas da coqueluche?

Eles variam de acordo com a faixa etária. A coqueluche tem três fases clínicas distintas. A primeira é a catarral, com febre, coriza e tosse seca. Ela pode durar até duas semanas e, muitas vezes, é difícil de ser diferenciada de outras infecções respiratórias. A segunda fase é a paroxística, com surtos de tosse, em geral exacerbadas, que levam à perda de fôlego, falta de ar, ruído alto entre uma tosse e outra e vômitos. Nas duas primeiras fases também pode haver febre. A terceira fase é de convalescença, quando a febre tende a desaparecer e a tosse a ser menos exuberante.

Como é feito o diagnóstico?

Como a bactéria fica alojada nas vias aéreas superiores, o material a ser examinado é colhido da narina e encaminhado para análise no Instituto Adolfo Lutz, de São Paulo, onde são feitos os exames de cultura e o PCR. O primeiro tende a se manter positivo nas fases iniciais da doença, enquanto a pessoa não está sendo tratada; o segundo, mais sensível, consegue detectar a bactéria mesmo nas fases iniciais do tratamento com antibiótico. Vale ressaltar que o PCR é um exame mais sofisticado e sua recente incorporação ao arsenal para o diagnóstico é uma das possíveis explicações para o aumento de casos confirmados da doença. Ele começou a ser feito de maneira rotineira há três anos, justamente quando começamos a verificar aumento no número de registros.

Como é o tratamento?

Nos adultos é com antibióticos por via oral. Já as crianças do grupo etário mais vulnerável, muitas vezes, precisam ser tratadas em ambiente hospitalar, devido às possíveis complicações. Como elas tendem a ter quadros de insuficiência respiratória, suporte ventilatório e cuidados intensivos, além do antibiótico, podem ser necessários.

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