Ribeirão Preto, final da década de 50, 6h30 da manhã, ansiedade, o guarda-trem apita, o trem responde, e o ritual se repete por três vezes. Ouve-se então o barulho áspero do mover de aço sobre aço, a fumaça saindo da chaminé e o vapor pelos lados da locomotiva.
A locomotiva desloca-se lentamente. As estações se sucedem: Santa Tereza, Bonfim Paulista (então Gaturamo), Buenópolis (lembro-me de uma grande ponte, era o Grand Canyon?), Cravinhos. Canãa, Bento Quirino, São Simão, Santos Dumont, Tambaú, Coronel Corrêa, Casa Branca, Lagoa Branca, Estiva, Aguaí, Pato Seco, Mogi Guaçu, Mogi Mirim, Poços de Ressaca, Jaguariúna e finalmente Campinas.
Por estes trilhos muita riqueza escoou. Em cada estação e cada parada uma novidade. Senhoras e crianças vendendo biscoitos de polvilho, doces e frutas pelas janelas. Pelos corredores dos vagões passava o garçom (o popular Baiano) vendendo geleia de mocotó, guaraná ou biscoito de polvilho, sempre sustentando essas guloseimas por um pano muito branco amarrado no pescoço. Ali pelas 11h ele passava anunciando “primeiro almoço... primeiro almoço” e lá íamos para o vagão restaurante: salada, arroz e feijão, bife e, claro, queijo com goiabada.
A passagem por Jaguariúna era a mais esperada porque em dezembro, quando eu viajava com meus pais, os produtos vendidos eram pêssego, figo e outras frutas não encontradas durante o ano, mas comuns nesta época. Finalmente “por volta das 14h” chegava-se a Campinas e lá a baldeação, nome que talvez os mais novos não conheçam, mas que hoje em aviação chamamos de conexão.
Em nossos tempos com tanta confusão e atrasos em aeroportos (maiores que os famosos da Mogiana), de estradas de rodagens cheias, gasolina e tantos e tão caros pedágios, me vem a ideia da injustiça que fizemos ao desativar as estadas de ferro. Porque não modernizá-las? Clovis Rossi em sua coluna recentemente descreveu sua experiência em viajar de Paris a Bruxelas, uma distância semelhante a Ribeirão Preto-São Paulo, em cerca de duas horas.
Se contarmos o tempo que esperamos para o embarque no aeroporto e localização de Congonhas veremos que o tempo curto do voo tem vantagem discutível. Imaginem que maravilhoso 60-70 minutos confortáveis de trem e descermos na belíssima Estação da Luz. Não se esqueçam de que o metro está à porta! O engraçado que todos nossos mandatários maiores já experimentaram essa sensação em suas viagens (claro que como pessoa física, pois como autoridades suas experiências são diferentes) pela Europa.
Em Ribeirão Preto o entrave que se atribuía a ferrovia e mais precisamente a famosa “porteira da Mogiana” não era causado pelo terminal de passageiros ou aos trens de passageiros ou de carga, mas sim as manobras de vagões e locomotivas causadas pelo transporte aos armazéns e às oficinas. Se tivéssemos mudado esses últimos para o atual local da ferrovia e mantido a estação de passageiros (bela, clássica e imponente) teríamos hoje um metrô de superfície ligando nossos bairros e cidades vizinhas.
Essa ideia com frequência é abordada pelos jornais e até em sessões do nosso legislativo. O terminal rodoviário faria o restante. Isso é feito na maioria das cidades europeias. Além dos motivos racionais, lamento a desativação da estrada de ferro, porque ligo a Mogiana a meu pai, que por mais de quarenta anos foi telegrafista e controlador do tráfico de trens.
Fico triste porque tanto os trens como meu pai partiram, mas feliz por que me deixaram grandes e boas lembranças e uma imensa saudade.