Em Machu Picchu, o guia nos conduzia pelas ruínas em uma visita quase sacrílega de tão apressada. O homem, um peruano boa-praça cujo nome não me recordo, levava o grupo — eu, minha mulher e mais um punhado de turistas — de maneira célere, incongruente com a tão afamada aura daquele lugar, fantasticamente encravado na montanha, num dos últimos esforços do império inca de tentar se manter a salvo dos invasores espanhóis.Nosso guia, pensei, deve ser pressionado a cumprir um tempo máximo de permanência: o parque, nas últimas horas daquela ensolarada manhã de novembro, não parava de receber gente, que jorrava aos borbotões pelas suas catracas. Como, aliás, acontece muitas vezes ao ano: pela estrada de terra sinuosa que liga a cidadezinha de Águas Calientes a Machu Picchu, que está 6 km montanha acima, os micro-ônibus repletos de turistas sobem e descem sem parar ao longo do dia, banalizando o ato de conhecer um lugar tão único.O desenvolvimento do turismo e dos meios de comunicação democratizou o acesso a esses locais, muitos dos quais fazem parte do nosso imaginário coletivo. Por outro lado, substituiu a contemplação pelo consumo, e é sintomático que nossa visita ao monumento inca fosse praticamente cronometrada. “Tirem suas fotos e vamos em frente!”, repetia o guia peruano, após se entregar a breves explanações sobre as características e peculiaridades dos prédios, terraços e demais estruturas que compõem aquele assombroso complexo.Estaria mentindo, porém, se eu dissessse que a visita a Machu Picchu me frustrou. O pouco tempo que lá permaneci foi o suficiente para me impressionar pelo resto da vida, e me lembro de ter ficado fascinado, entre outras coisas, com uma construção de paredes inclinadas. “É uma construção antissísmica”, explicou o guia. Diante de meu espanto com o fato de, há cinco séculos, a humanidade já conhecer técnicas de construção à prova de terremotos (o Peru é um lugar geologicamente instável), o homem tratou de me impressionar ainda mais, e me contou que, ao Norte do país, ruínas da civilização mochica mostram que, séculos antes dos incas, já se conheciam essas técnicas.Mais adiante no tour, na ruína do que um dia havia sido um templo, uma pedra colocada no chão servia como observatório astronômico: nela, havia sido cavada uma concavidade que retia água, criando um espelho que refletia o céu, possibilitando olharmos o sol sem sermos cegados por seu brilho.Creio que essa construção tivesse uma função mais religiosa que científica, mas não deixa de ser um exemplo do antigo fascínio do homem pelo firmamento. Assim como os gregos, os fenícios, os babilônios e os egípcios, os incas esquadrinhavam os céus na tentativa de decifrar os sinais de uma ordem superior, algo que regesse a existência nesta terra, das colheitas às chuvas, do nascimento à morte.Séculos, muitos séculos depois, o homem continua nessa empreitada. Há poucos dias, li que uma dupla de cientistas colheu indícios que parecem corroborar uma teoria que chega a ser incômoda, porque coloca em xeque a noção de que o universo, tal qual o conhecemos (conhecemos?), tem um princípio, meio e fim. Roger Penrose, da Universidade de Oxford, e Vahe Gurzadyan, da Universidade de Yerevan, na Armênia, sustentam a ideia do “universo cíclico”, que afirma que o Big Bang não assinala o começo de tudo, mas sim o fim do universo que existia antes deste.A ideia é assombrosa: se nossa concepção de escalas de tempo maiores que alguns séculos já resvala para o terreno do abstrato, o que dirão nossas mentes sobre bilhões e bilhões de anos, seguidos de mais bilhões e bilhões, ao infinito?Os incas, por outro lado, talvez não se incomodassem com a proposta de Penrose e Gurzadyan; talvez, com seus deuses e crenças, eles se sentissem confortáveis com essa ideia de tempo circular, sem fim nem começo, um suceder interminável de noites e dias, de verões e invernos. E talvez achassem graça na pressa de um guia turístico conduzindo um bando de viajantes meio atônitos por entre os vestígios do que um dia foi a sua cidade.