FABIANA BONILHA

O Tecnologismo

Fabiana Bonilha
27/04/2013 às 05:04.
Atualizado em 25/04/2022 às 18:32
iG - Fabiana Bonilha (Cedoc/RAC)

iG - Fabiana Bonilha (Cedoc/RAC)

Ao estabelecermos um contato mais próximo e mais constante com a tecnologia assistiva, percebemos o quanto ela realmente nos ajuda a remover inúmeras barreiras que enfrentamos. Notamos que este campo de conhecimento é muito vasto, pois contempla não apenas as ferramentas tecnológicas mais avançadas, voltadas para nós que temos alguma deficiência, como também os recursos mais simples e de menor complexidade por nós utilizados.

Todos os dias, nós nos valemos de várias destas ferramentas, que têm diferentes propósitos e funções. Eu, por exemplo, que tenho deficiência visual, não vivo sem elas. Se, logo pela manhã, preciso me locomover até meu local de trabalho, faço uso para tanto de uma bengala branca. Se, ao desempenhar minhas atividades, tenho de manejar o computador, utilizo um software leitor de telas. Caso eu tenha à mão uma linha braile, posso também optar por ler a tela do computador de forma tátil. Se, ao longo do trabalho, quero ver quanto tempo ainda tenho para executar minha tarefa, consulto meu relógio de pulso em braile. Se pretendo levar o trabalho para alguma reunião ou se desejo lê-lo fora do computador, posso gerar também uma impressão braile do documento. Caso precise enviar um SMS avisando a que horas pretendo chegar a um compromisso, faço esta operação utilizando um leitor de telas para dispositivos móveis.

Não há dúvida, então, de que todas estas facilidades fazem parte do nosso cotidiano, de modo que não podemos ficar alheios a elas. Todo este instrumental nos ajuda a equiparar nossas condições em relação àqueles que não tem deficiências, permitindo-nos viver em pé de igualdade com eles.

Entretanto, para bem utilizarmos todo este aparato, necessitamos estar atentos para não aderirmos ao que poderíamos chamar de “Tecnologismo”, isto é, uma tendência a superestimar a tecnologia e a subestimar seus usuários.

Toda tecnologia assistiva, por definição , tem como finalidade otimizar e promover nossas funcionalidades, mas, fundamentalmente, as habilidades de que dispomos já estão em nós, e não cabe à tecnologia fabricá-las. Estas valiosas ferramentas não substituem nosso potencial, nem nos acrescentam algo que nos falta. A tecnologia é uma extensão do que já temos, possibilitando ampliar nossas capacidades.

Um leitor de telas, por exemplo, me permite ler as informações da tela que eu não posso ver, mas a habilidade de leitura, manuseio e compreensão destes dados é uma característica minha, e não da ferramenta.

Do mesmo modo, um recurso de comunicação aumentativa alternativa possibilita a quem não tenha a fala ou a escrita funcional comunicar seus próprios pensamentos e sentimentos, mas o poder da comunicação e da expressão está na pessoa, e não no recurso.

Outra vertente do “tecnologismo” consiste na falsa ilusão de que para todas as dificuldades existe uma solução tecnológica. Pensa-se, nesta perspectiva, que tudo pode ser resolvido por meio da tecnologia. São, assim, inventados uma infinidade de recursos com as mais variadas utilidades, os quais, inclusive, acabam muitas vezes por eliminar esforços que seriam importantes para nosso aprendizado e crescimento.

Abandonarmos o “tecnologismo” é condição crucial para colocarmos a tecnologia assistiva no ápice de seu propósito. Esta atitude significa considerar que ela está a serviço do usuário, e não o usuário a serviço dela. Significa admitir que ela nunca ocupará o lugar dos indivíduos, nem será a causa da eliminação de barreiras.

Quem elimina as barreiras são as pessoas, tanto aquelas que desenvolvem criativamente um determinado produto, quanto aquelas que se beneficiam deste desenvolvimento. São elas que verdadeiramente dão sentido a todos os recursos, e que se utilizam deles segundo suas demandas reais.

*Fabiana Bonilha, Doutora em Música pela Unicamp, psicóloga, é cega congênita

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