O boleiro que carrega uma dor, caro Leminski, é muito mais elegante. Caminha assim de lado do túnel até o gramado, como se chegando atrasado, fosse mais que um reles centroavante. O matador ferido, quando legítimo, usa e abusa das críticas, estufa o peito, cai e levanta a cada tropeço, parte pra cima do futuro e faz das vaias a trilha sonora de sua redenção. Sai de campo de cabeça erguida, evita cruzar os olhos com a massa secadora e faz do silêncio o cala a boca perfeito dos que duvidaram de seu poderio.O boleiro autêntico é sempre meio canalha. Não gosta de protocolos, evita o discurso ensaiado da assessoria de imprensa e desdenha sorrateiramente da suposta má fase. É, tal qual os amantes e os poetas, um cafajeste incontestável: gosta é de sofrer e está sempre condenado a comer o pão que o diabo amassou para servir ao futebol muito mais do que o batido arroz com feijão de esquemas táticos e contratos de rendimento.Ainda não inventaram teste de fidelidade para os boleiros que versam sobre a vida, sobre a profissão e até sobre os problemas do mundo como se fossem porta-vozes de sei lá o quê. Mas é fácil identificar um craque até mesmo quando não está mais a serviço da bola. Doutor Sócrates, quanta falta tu faz ao nosso bate papo esportivo de todos os dias. Não é à toa que, na data de seu aniversário (completaria 60 anos na terça-feira) muita gente tenha tirado da cartola alguma de suas infinitas e imortais histórias dentro e fora dos estádios.Fica até patético, inocente, puro e besta ver Alexandre Pato discursar como se fosse agora o oposto do que já foi antes — Raulzito teria um treco se o visse gritar com a disciplina de um ator em formação que tudo agora vai ser diferente. Não encena, Pato, carrega logo essa dor e não perca a elegância que um dia disse ter com a bola nos pés. Você, que por poucas vezes teve o espírito da boleiragem, terá de ser mais um reles funcionário da empresa que arriscou te contratar.Pato pode até fazer a gente pagar o preço pela cornetagem. Mas que assim seja. Que o jogador use a nossa impaciência para voltar a jogar bola. Por enquanto, não há muito o que fazer se não matar a saudade do Magrão, ver e rever o punho erguido e a barba volumosa do homem desfilando confiança até quando a democracia do País engatinhava nas arquibancadas da história. E fale menos, por favor. Porque a poesia do boleiro de verdade deve ser escrita com os pés, não com o sorriso fabricado de quem não tem muito o que comemorar.