O que você comeu no café da manhã hoje? Qual foi a manchete do jornal de ontem? E o nome do filme que assistiu no final de semana? Lembra-se do resultado da final da última Copa do Mundo? E daquela sequência de exercícios da academia que você reclama tanto de cumprir? Essas são algumas das perguntas que, ainda que simples e sem qualquer indício de pegadinha, colocam em xeque a nossa memória.
De acordo com o neurologista Marcio Luiz Figueredo Balthazar, pesquisador colaborador do Departamento de Neurologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o esquecimento pode ser comum pela falta de atenção ou pela baixa relevância emocional. No entanto, é preciso estar atento a situações que podem indicar casos patológicos, que não têm cura.
À Metrópole, o médico, pós-doutorado em neurologia cognitiva e do comportamento, explica o que é comum e o que deve ser motivo de preocupação, o que pode ser feito para preservar a memória e o que é necessário evitar.
Metrópole – Todo esquecimento é sinal de alerta?
Marcio Balthazar – É comum esquecermos coisas pouco relevantes para nosso dia a dia, o que não é um problema. No processo de envelhecimento normal, o desempenho da memória é ligeiramente menor do que quando a pessoa era mais nova. É importante comparar o desempenho de memória com o de pessoas da mesma faixa etária e escolaridade.
É somente a falta de atenção que leva ao esquecimento?
Não. A função psicológica da memória episódica (capacidade de armazenar e evocar novas informações) tem características próprias e pode estar afetada mesmo em pessoas sem problemas de atenção. Porém, como quase todas as funções cerebrais, atenção e memória são interligadas e dificuldades na primeira podem levar a um mau desempenho da segunda.
Como funcionam as memórias de curta e de longa duração?
Essa é uma divisão simplificada das funções da memória. Existe um tipo de memória de curto prazo, a operacional (ou de trabalho), muito relacionada à atenção e com a qual registramos coisas que acontecem de forma quase imediata ao nosso redor. É uma memória dita “on-line”, mediada por estruturas do lobo frontal do cérebro. Já a episódica é a capacidade de codificar, consolidar, armazenar e evocar informações. Do ponto de vista do funcionamento dos neurônios, tanto a operacional quanto a fase de codificação da episódica dependem de neurotransmissores, o que significa que não há mudança estrutural do cérebro. Já na fase de consolidação e armazenamento de informações, há ativação de genes que produzem novas sinapses, alterando a estrutura cerebral. É o “rastro” físico de nossa atividade mental de memorização.
O cigarro, assim como a maconha, afeta os neurônios?
Não há consenso sobre o papel exclusivo do cigarro em funções de memória. Porém, de forma indireta, por aumentar o risco de doenças cerebrovasculares, o tabagismo pode, sim, afetar o cérebro. Em relação à maconha, parece haver mais evidências de que ela pode influenciar a memória por meio de alterações da síntese de proteínas nos hipocampos (regiões do cérebro indispensáveis para a memorização adequada).
Há algum exame ou método para avaliar a memória?
Sim, mas, primeiro, é necessária uma boa história médica do paciente com queixa. Em casos em que há suspeita de problemas, é possível fazer uma avaliação neuropsicológica que englobe testes de memória e de outras funções cognitivas, como atenção, linguagem e orientação espacial.
Quais categorias de medicamentos afetam a concentração e a memória?
Em geral, substâncias que diminuem a atenção e causam sonolência, como benzodiazepínicos e alguns tipos de antidepressivos e remédios para convulsão, entre outros.
Quando o esquecimento pode ser indício de alguma doença que afeta o cérebro?
Quando há frequência aumentada de esquecimento; repetitividade (perguntar a mesma coisa algumas vezes num curto intervalo de tempo); dificuldade em se manter atualizado sobre assuntos gerais e de família; dificuldade com datas (em especial mês e ano); esquecer repetidas vezes onde guardou objetos (não é incomum que o paciente pense que alguém os pegou); e deixar o fogão aceso. É comum que a pessoa com doença da memória não aceite que esteja esquecida. Nesse caso, é importante a opinião de quem mora junto, mais comumente o cônjuge. E é necessária uma avaliação médica, que deve pesquisar condições clínicas e psicológicas que podem afetar a memória.
O Mal de Alzheimer é a principal patologia a comprometer a memória? Hoje em dia, como é possível impedir que seus efeitos sejam tão devastadores?
O Alzheimer é a principal doença cerebral que ocasiona distúrbios da memória e, embora não haja cura, o diagnóstico precoce é fundamental para melhor qualidade de vida. Há medicações específicas, os anticolinesterásicos, que podem ser usados nas fases leve e moderada da patologia e retardam a evolução dela. Existe também a memantina, indicada para as fases moderada e avançada. Além disso, é extremamente importante a pessoa se manter ativa, com rotinas de vida real, incluindo compras, atividades domésticas e sociais. É essencial preservar uma vida com objetivos, praticar exercícios aeróbicos e cuidar adequadamente de fatores de risco para doenças cardiovasculares (hipertensão entre elas), diabetes, dislipidemia (problemas com colesterol e triglicérides) e tabagismo.
E entre crianças e jovens, o que podem significar episódios constantes de esquecimento?
Em crianças e jovens, devem ser analisados o contexto psicológico deles e da família, a nutrição e a saúde geral, com exames para averiguar a existência de anemia e de hiper ou hipotireoidismo, por exemplo. Em alguns casos, pode se tratar de déficit de atenção, condição em que o tratamento deve ser efetuado em conjunto por médico e psicólogo.
O que pode ser feito para preservar a memória?
Para preservar a memória, a pessoa deve manter uma vida mental ativa, com objetivos; conservar interesses, como leitura e música; cuidar de animais dóceis; praticar atividades físicas e se atentar a fatores de risco para doenças cardiovasculares.
A dieta também influencia? Existem alimentos que favorecem a boa memória?
Há um padrão de alimentação, conhecido como dieta mediterrânea, que diminui o risco de demência. Ele inclui frutas, legumes, peixes, óleos vegetais como o azeite, grãos e cereais. Além disso, há a recomendação de uma taça de vinho tinto por dia. Já alimentos que aumentam os riscos cardiovasculares, como gordura animal, sal e açúcar em excesso, devem ser evitados.