As constantes trapalhadas do governo Bolsonaro e a manutenção de previsões pessimistas de crescimento econômico brasileiro provocam a articulação de setores de centro para ocupar o espaço com posições que se distanciam dos extremismos de esquerda e de direita que predominam no cenário político atual. Nesse contexto, chama a atenção o movimento que o governador de São Paulo João Doria vem fazendo. Vejamos. Conseguiu, em pouco tempo, articular uma forte aproximação de dois partidos de expressão nacional – o DEM de ACM Neto e o PSD, de Gilberto Kassab. Resultado dessa aproximação é o início de uma articulação para levar as siglas a uma fusão para formar um grande partido de centro. Os dois partidos formam hoje uma bancada expressiva no Congresso Nacional. Somados, possuem 94 integrantes na Câmara de Deputados, inclusive a Presidência de Rodrigo Maia (DEM); no Senado, formam um conjunto de 23 senadores, tendo também a Presidência de Davi Alcolumbre (DEM). O DEM conta com três ministros no governo atual: Onyx Lorenzoni (Casa Civil), Tereza Cristina (Agricultura) e Mandetta (Saúde). O conjunto tem um capital político nada desprezível de espectro ideológico distante das posições extremadas de esquerda ou de direita. João Dória não esconde suas pretensões políticas e se articula em função disso. Almeja ser Presidente da República e para isso conta com o poderio do maior Estado brasileiro e três partidos com forte estruturação nacional. Uma etapa fundamental nesse seu caminhar serão as eleições municipais de 2020, nas quais pretende eleger prefeitos nas mais importantes cidades do Brasil, especialmente no Estado de São Paulo. A movimentação de João Dória conta com um componente importante e, em geral, alheio na política nacional: o planejamento. Nesse aspecto, os expectadores mais atentos observam que as etapas vão sendo cumpridas com esmero e com alto nível de organização. Conseguiu impor seus nomes na Convenção do PSDB, isolando aqueles com posições contrárias; com antecedência, vem escolhendo nomes para as candidaturas nas principais cidades do Estado de São Paulo, sempre em aliança com o DEM e/ou PSD, modelo que provavelmente seguirá nos demais estados. Aposta na continuidade da instabilidade do governo Bolsonaro, em geral criada por ações derivadas de seu entorno como amigos e familiares. Conta, também, com a fragilidade da esquerda que se encontra acuada, defendendo posições já enterradas pela história e sem conseguir apresentar alternativas viáveis para os principais problemas do país, caindo num isolamento cada vez maior. Tudo indica, com base em pesquisas realizadas recentemente, que a tendência à direita do eleitorado permanecerá nas eleições municipais, mas com eleitores se afastando de posições extremadas, tanto de um lado como de outro. Com o PSDB, Dória tem a vantagem de dar uma guinada à direita sem se afastar demasiado de posições à esquerda, diferenciando-se da corrente bolsonarista que radicaliza posições à direita com uma plataforma excessivamente conservadora. Dória apoia bandeiras de governo que são expectativas da maior parte da sociedade, como a reforma da previdência e a tributária, mas procura diferenciar-se nas questões ligadas ao comportamento e aos costumes. Em outros temas Jair Bolsonaro também tem contribuído para catapultar a candidatura de João Dória. Sua insistência em levar a F1 para o Rio de Janeiro tem oferecido a João Dória a oportunidade de mostrar sobriedade e bom senso. A corrida é tradicionalmente realizada em São Paulo há muitos anos, desde a década de 1990, e o autódromo de Interlagos é conhecido mundialmente como parte importante no circuito da F1. Os custos de criação de um autódromo no Rio tornam sem sentido a proposta de Bolsonaro, já que o princípio é o de que a corrida deve ser realizada no Brasil e São Paulo oferece todas as condições, dispensando investimento adicional. O Presidente, nesse quesito, demonstra estar sendo delirantemente parcial em relação ao Rio de Janeiro, o que não fica bem para um mandatário de todos os brasileiros. De qualquer forma, Bolsonaro levantou a bola e Dória a está chutando sem delongas para fazer gol. João Dória mantém no governo do Estado de São Paulo uma estratégia de ações de grande impacto, voltadas para o aceleramento do desenvolvimento econômico com um plano de atração de investimentos chineses, entre outras opções. Para atingir seu objetivo é fundamental que sua gestão em São Paulo seja aprovada pelos eleitores. Por enquanto, sua aprovação está muito acima dos votos que obteve em 2018, o que mostra estar atendendo as expectativas dos eleitores. Em jantar com a presença de 400 pessoas realizado em meados de junho no Rio de Janeiro, Dória alinhavou seu posicionamento e suas diferenças em relação a Bolsonaro. Relembrou a perseguição que seu pai sofreu após o golpe militar; destacou que o PSDB será um partido de centro liberal; e defendeu enfaticamente o Ministro Sérgio Moro, num momento em que sofria fortes ataques devido aos vazamentos de conversas ao celular; assumiu com clareza sua posição diante do combate à corrupção. Nos últimos dias homenageou o Ministro Moro com a Ordem de Ipiranga. Pode-se gostar ou não de Doria, mas não se pode ignorar sua firme trajetória rumo a um objetivo que traçou com bastante antecedência e pelo qual tem articulado com vários partidos e personalidades. Como político, percebeu o enorme espaço que pode ser ocupado por uma alternativa de centro, num Brasil cada vez mais cansado dos extremismos populistas que nos trouxeram a atual situação de penúria econômica, política e social.