Não era falta de visão, trauma por ser confundido com censor d’'O Estadão ou com eventual padroeiro do hospital da Beneficência Portuguesa (embora, seu busto esteja na entrada de todos pelo Brasil). É que nos anos 60s, exames vestibulares tinham provas mais específicas. Em uma de história, para entrar na USP, os examinadores perguntaram qual a idade do padre José de Anchieta, quando integrou a confraria de jesuítas que fundou a cidade de São Paulo. Indignados, mas proféticos, professores de cursinho estrilaram: “Nos próximos, indagarão sobre a cor da cueca de d. João VI, o tamanho do cajado de Moisés ou as preferências sexuais da marquesa de Santos — como se esses detalhes tivessem importância para o conhecimento”.Acertaram. Semana passada, em exibição explícita da desqualificação profissional que exige para seus servidores, a Câmara Municipal de Jundiaí fez um concurso que quer saber dos candidatos quem é o rei do camarote, um exibicionista exposto na mídia. Mais: que times jogaram pelo campeonato brasileiro, em Santa Catarina, quando uma briga terminou na prisão de 17 torcedores. Outra pergunta: em que parte dos Alpes Michael Schumacher se acidentou quando esquiava (suíços, franceses, alemães ou austríacos.). Isso pra envergonhar o berço da magistral atriz Heloísa Malfada, do maestro Walter Lourenção e do publicitário, poeta, ator, ensaísta, professor e tradutor brasileiro Décio Pignatari. Será que os políticos de Jundiaí sabem quem são pelo menos essas luzes da cidade?Agora, sintam a diferença e ressuscitemos de inveja. Vestibular da Universidade da Bahia cobrou dos candidatos a interpretação do seguinte trecho daquela poesia de Camões: “Amor é fogo que arde sem se ver, / é ferida que dói e não se sente, / é um contentamento descontente, / dor que desatina sem doer .”Uma vestibulanda de 16 anos deu a sua interpretação: “Ah, Camões!, / se vivesses hoje em dia, / tomavas uns antipiréticos, / uns quantos analgésicos e Prozac para a depressão./ Compravas um computador, / consultavas a internet /e descobririas que essas dores que sentias, / esses calores que te abrasavam, / essas mudanças de humor repentinas, / esses desatinos sem nexo, / não eram feridas de amor, / mas somente falta de sexo!”.Ela ganhou nota 10, pela originalidade, estruturação dos versos, das rimas insinuantes, e porque, pela primeira vez, ao longo de mais de 500 anos, alguém desconfiou que o problema de Camões era apenas falta de mulher.Essa menina seria a pessoa mais importante atuando em qualquer câmara de vereadores do Brasil. Mas neste mesmo Brasil, quem estuda não se torna trouxa nem espertalhão a ponto de seguir determinadas carreiras.Agradeço nossa mestra do colégio Culto à Ciência, que redescobriu esta preciosidade para eu dividir com os leitores. Mesmo judia, ela é como “Maria, desatadora dos nós”, que jamais deixa de vir em socorro a um aluno aflito; cujas mãos não param nunca de servir seus amados alunos, pois são movidas pelo amor divino e pela imensa misericórdia que existem em seu coração.Pregado no poste: “Amém”.