ANTONIO CONTENTE

O princípio e o fim do mundo

Antonio Contente
18/03/2013 às 05:00.
Atualizado em 26/04/2022 às 00:27
ig-antonio-contente (AAN)

ig-antonio-contente (AAN)

É inevitável o paradoxo: pensar no fim do mundo muitas vezes nos remete à ideia do princípio dele. Isso ocorre frequentemente comigo sempre que estou nesta remota ilha na foz do rio Amazonas, de onde ora escrevo. Vejam que cheguei ainda sob o impacto do meteoro que explodiu em fevereiro sobre área da antiga União Soviética, matando alguns e assustando a todos. Isso ocasionou a divulgação de muita coisa sobre tal fenômeno, o que me levou à realidade que mexeu com algo que observo aqui com impressionante frequência: nas noites claras deste lugar absolutamente isolado, chega a ser inacreditável o número de estrelas cadentes que riscam os céus. E elas são, apenas, pedras siderais que entram em nossa atmosfera, se transformando em bolas de fogo que não chegam a alcançar a superfície do planeta. Às quais os crédulos costumam fazer pedidos. Alguns atendidos, segundo depoimentos vários.

De minha parte, solicitando à distante luz celeste que devolvesse, na época da juventude, certa namorada que me havia chutado, tive como resposta a ratificação, pela moça, de que não queria mais saber de mim nem pintado de verde e amarelo. Falha inadmissível, para comigo, dos imponderáveis do infinito...

Mas o paradoxo que cito no início deste texto andou bastante palpável nestes dias de reencontro com as coisas da ilha. Pois se, de um lado, retorno com a perspectiva da possibilidade do fim dos tempos, tenho à minha volta, na vida que pulsa neste pedaço de terra cercado de águas por todos os lados, nítido cenário de mundo em começo. Estamos agora no Inverno, que é a Estação das Chuvas na Amazônia. As manhãs, assim, se apresentam invariavelmente encharcadas, e as neblinas que se formam na superfície da baia e entram pela floresta, trazem no bojo aromas de mundo que começa. Como o sol que as dissipa custa a aparecer com céu baixo, as névoas são mais duradouras.

Vendo o seu mover, fico com a impressão de que se esgarçam entre os troncos, pairam sobre as forquilhas das árvores e se alongam nas alturas das copas como se estivessem nutrindo palpável dimensão de encantos. Faz-se, nessas ocasiões, profundo silêncio.

Os trinados dos emplumados, que normalmente começam com as primeiras claridades, permanecem cravados nas entranhas dos passarinhos. Para que, de repente, se num abrir de nuvem inesperado raio solar atingir o pomar, a nota sutil de tímido chilro se inscreva na modulada partitura que receberá os sustenidos e bemóis da natureza; logo pronta ao pulsar das sinfonias. Que poderá se completar depois, em clave de sol, para momentos dourados.

Ontem, após aguaceiro gigantesco na tarde, abriu-se noite linda, de céu lavado e brisas quase frias mandadas pelo mar onde o grande rio se lança. Fui, munido com meu possante binóculo com o qual avisto até as crateras da lua, para o pequeno deque que fiz na frente da choupana.

Não havia lua e a quantidade de estrelas no céu era absolutamente impressionante. Logo, vasculhando as distâncias siderais, detecto a primeira estrela cadente a riscar o infinito. Não demorou muito outra, e outra. Como, para estes fenômenos os pedidos que se devem fazer têm que ser para coisas d’amor, solicitei apenas que as boas lembranças não me abandonem nunca.

Depois, repentinamente, parece que se recolheram os cometas longínquos. Permanecendo, na noite densa, o calmo pulsar das estrelas. Aquelas mesmas que o poeta, no soneto famoso, dizia ouvir, levando muitas pessoas a considera-lo alguém que perdera o senso. Incrédulos que com certeza não sabiam, como Bilac, que estrelas, fixas ou cadentes, só podem ser ouvidas e entendidas pelas pessoas que amam.

Novamente, vasculho o céu e lá longe largam traços de luz mais dois cometas. Imediatamente torna a sombra do acontecido na Rússia; no meu entorno de começo, caio na realidade de pensar no fim dos tempos. Que, é bem provável, poderá de fato ocorrer com a colisão de alguma grande pedra com a terra. Penso nisso e penso nas neblinas matinais, impregnadas de vida. Para, sem muito esforço, buscar refúgio no poema de T.S. Elliot (1888-1965), Os Homens Ocos, no qual ele garante que o mundo não se acabará com estrondo. Mas com um suspiro...

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Correio Popular© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por