Os dilemas femininos e os desafios das relações familiares são discutidos no livro 'Mulher sem Script', escrito pela psicóloga Natércia Tiba e lançado ano passado pela Integrare Editora. Por meio de crônicas e com um olhar leve, a filha do psiquiatra e educador Içami Tiba aborda situações comuns ao universo feminino, como maternidade, carreira e o jogo de cintura necessário para lidar com os relacionamentos e a rotina.
Natércia divide com os leitores suas próprias angústias e os convida a refletir sobre como melhorar a qualidade das relações. “Meu desejo é aguçar o olhar para pequenos fatos, situações que podem passar despercebidas. Quero despertar ou reacender nossa capacidade de percepção que vai além do que vemos no dia a dia.”, explica a autora. Em entrevista à Metrópole, ela falou mais sobre os dilemas da mulher moderna.
Metrópole – Como surgiu a ideia de escrever a obra que, como a senhora disse, não apresenta soluções nem receitas, mas compartilha reflexões suas e de várias mulheres?
Natércia Tiba – Escrevo a partir de acontecimentos cotidianos para mostrar um olhar diferente para situações familiares e de nossa vida. Elas não precisam ser baseadas em feitos heroicos para nos fazer crescer como ser humano e mostrar como lidar com as emoções, melhorando a qualidade de vida. Faz tempo que comecei a escrever sobre o universo feminino, que é bastante complexo em relação a emoções e logística. Como também vivo nesse mundo, várias mulheres que me acompanham nas redes sociais questionavam como eu conseguia dar conta de tudo, porque trabalho muito, tenho dois filhos e escrevo. Comecei a falar sobre isso e elas se sentiram ouvidas porque nós, mulheres, apesar de diferentes, somos bem iguais. Minha ideia era tirar a mulher da solidão causada pelo turbilhão de funções e sentimentos que vivemos.
Na crônica Vivendo a vida por inteiro, a senhora admite que ser mãe é muito sofrido. Muitas mulheres sentem isso, mas têm receio de dizer...
É porque crescemos em uma sociedade em que a cultura diz que ser mãe é nossa principal função, como se essa tivesse que ser nossa principal fonte de prazer. Em muitos momentos é prazeroso, mas podemos nos realizar por meio de outros papéis, como o de profissional. Ao mesmo tempo, temos que descobrir até que ponto o papel de mãe é confortável. Percebemos que, muitas vezes, na educação dos filhos, temos um caminho de mão única, que inverte tudo, que demora a ter reconhecimento, retorno. Como acreditamos que tal função há de ser a melhor e que uma boa mãe não deveria se fechar, temos uma culpa horrível se sentimos algo diferente.
E é possível amenizar essa culpa?
Sentir culpa não é um problema, porque ela nos dá a referência do que talvez fosse o ideal naquela situação. O mais importante é sentir culpa por algo que faça sentido em sua vida, não carregar uma imposta pela sociedade ou pela família. O indivíduo pode até sentir um pouco de culpa, mas não ser escravo dela. Deve, sim, pensar quais são suas prioridades.
Em outra crônica, A quem ofereço o melhor de mim, a senhora faz muitos questionamentos, como por que o respeito vai sendo destruído à medida que a intimidade é construída, por que tratamos mal as pessoas que mais amamos e por que não oferecemos nosso melhor. A psicologia tem as respostas. Então, qual o caminho?
Acredito que, quando as relações ficam bastante íntimas e nos sentimos seguros, relaxamos e paramos de cultivá-las. Só que a relação precisa desse cuidado. Se a pessoa tem consciência de que os relacionamentos sofrem desgastes com o tempo, têm que se policiar e se educar.
Ao ler Desabafo de mãe, notamos que o cérebro de mãe é uma loucura, que não descansa e funciona 24 horas por dia. Além disso, algumas mulheres correm o risco de perder a identidade ao se focar demais na imagem dos filhos. Como não cair nessa armadilha?
Nas palestras sobre o livro, digo que, se elas acreditam que dão conta e que podem ser uma supermulher, é justamente o contrário. Elas não precisam ser supermulheres. Têm de avaliar do que podem abrir mão e se pode haver parcerias com o companheiro, a mãe ou as amigas para facilitar, porque é muita coisa para dar conta. Além disso, quando nos tornamos mães, assumimos tantas atribuições que a tendência diante da rotina é pensar em exaustão e cansaço. Porém, se acreditarmos que não há como ser muito diferente disso, mas que existem coisas que podemos dar conta e outras que podemos flexibilizar, se conseguirmos ter esse olhar, enfrentaremos a rotina sem lamentações.
É preciso, então, haver uma mudança de postura, não tentar fazer tudo ao mesmo tempo e não se cobrar tanto?
Sem dúvida. Nos cobramos porque somos de uma geração que tem o exemplo da avó supercuidadosa que fazia nosso bolo preferido, nos ensinava a rezar, era aquela vovó gostosa. Muitas mulheres hoje com filhos têm ainda a referência da mãe no mercado de trabalho. Aí, tomamos o peso de todas essas gerações e queremos ser o melhor do estilo avó, o melhor do estilo mãe, o melhor do estilo profissional... E tudo fica pesado demais. Por isso a necessidade de avaliar qual modelo melhor se adequa a nós, sem criar uma colcha de retalhos com todos os moldes que carregamos. Eles são importantes, mas não somos a soma deles. Podemos tomar essas referências, mas é necessário criar nosso próprio papel, nossa forma de lidar com a realidade. Por isso que digo que é sem script, não tem certo e errado. A pessoa descobrirá, em cada situação, o melhor que poderá ser.
Também existem os casos, cada vez mais comuns, de mulheres que não querem ser mães, não é?
Sim. E elas enfrentam um peso social muito grande porque, apesar de frequente, ainda é algo que assusta as mulheres. Afinal, como abrir mão daquilo que as define? Não tenho nada contra, acho que não querer ter filhos é uma decisão que faz muito sentido. Mas acredito que é essencial a mulher parar para pensar: “Será que eu não quero ter filhos porque não quero embarcar nessa loucura que acho que é ser mãe? Ou não quero a maternidade por uma postura rebelde, reativa?”. Porque a mulher pode pensar que não quer viver assim, mas quem disse que essa é a única forma de ser mãe?
Essa avaliação pode ser feita até por quem deseja ter filhos?
Isso mesmo. Será que a pessoa está seguindo um protocolo social que exige casar e ser mãe ou será que é um projeto que quer mesmo abraçar, algo ao qual queira, realmente, se dedicar? Com certeza, esses questionamentos servem para os dois casos.