Nossa Senhora do Socorro! E do Bom Parto. E das Dores. Como é que descobri, somente agora, como sou antiquado? Idoso e antigo, sim, já o admiti aqui mesmo nas mal-traçadas linhas. Antiquado, no entanto, disso eu não me dera conta. E, para descobri-lo, precisou um olhar, apenas um olhar de minha mulher. E uma pergunta: “Por que você ainda usa isso?”Tratava-se de usar lenços. Ora, não sou idiota e sei existirem lenços de papel. Uso-os também, até por serem mais higiênicos. Mas não dispenso lenços de pano, refinados e bonitos. Isso já causou estranheza a muita gente, mas nunca me importei. Pois sou de um tempo em que cavalheirismo e boas maneiras eram parte de uma civilização agora em colapso. E lenços masculinos faziam parte da liturgia de uma cultura clássica. E se uma dama, uma donzela precisasse de lenços e o cavalheiro não os tivesse? Usar lenços era estar à disposição de dificuldades femininas.Na verdade, comecei a perceber algo estranho em relação a lenços há uns 15 anos, quando me recolhi a uma praia deserta em busca de concluir um livro cujo final me atormentava. Era um lugar paradisíaco e solitário, uma pousada entre o mar e a montanha. O silêncio, na realidade, era uma orquestra de sons naturais: de cantos de passarinhos, de cigarras, zumbidos de abelhas, farfalhar de folhagens. E o perfume do mar e da floresta, em embriaguez suave.Pois bem. A pousada servia apenas o café da manhã. E socorri-me da assistência de uma família de caiçaras, na casinha dos quais eu almoçava, jantava, ia bater papo. Era a casa do Dodô, pescador quase cego, de uma sabedoria admirável. E a mulher dele lavava-me também as roupas. Um dia, ela me perguntou o que eu fazia com tantos guardanapos. Estranhei. E ela me mostrou os lenços que lavara e passara, arrumadinhos como se fossem guardanapos. Expliquei serem lenços. Ela pensou, pensou, falou: “Que coisa!”.O que as novas gerações não sabem é da existência de um jogo amoroso em que lenços masculinos e leques femininos tinham papéis relevantes. Havia um código dos leques: se abanados lentamente, se ocultando os lábios da mulher, ou abaixo dos olhos, a maneira de ir e vir. E os lenços masculinos. Se a mulher transpirasse um pouquinho, lá ia o cavalheiro oferecer-lhe um lenço. Que ela usava e — pelo código das boas maneiras — não devia devolver. Havia significados ocultos envolvendo as coisas em segredos silenciosos.O homem — desde a adolescência — devia, pois, usar dois lenços. Comecei a fazê-lo aos 15 anos, nos primeiros bailes e no que se chamava “tardes e brincadeiras dançantes”. Um, para meu uso pessoal, deixava-o no bolso direito e de trás da calça. O outro, no bolso esquerdo. Este é que se mantinha intocado, estrategicamente à disposição das damas. Elas sabiam desse cavalheirismo masculino e — como sempre fascinantes — inventavam, quando queriam, algo para que se lhes dessem um lenço. Era sinal de interesse. A partir daí, tudo poderia acontecer. Escrevendo essas coisas sinto-me como membro da corte do Rei Arthur, de salões da Idade Média, dos bailes e celebrações de Versailles, sei lá. Mas eram os anos 1950, a transição do pós-guerra e velhos costumes ainda prevaleciam.Para se entender melhormente — e não riam de mim, por favor, ó jovens descuidados! —, o lenço fazia parte, também, do baile, da dança. Um cavalheiro, ao convidar a dama para dançar — fosse adolescente, fosse mulher feita —, colocava um lenço na palma da mão esquerda, para que a delicada mãozinha da parceira não transpirasse, para que suores das mãos não se trocassem. Dançar com um lenço na palma da mão, quem pode, hoje, acreditar nisso? Pois assim era, senhoras e senhores.Devo, aos lenços, romances inesquecíveis e, até mesmo, pelo menos uma paixão avassaladora. Certa vez — na área do altar de uma igreja — lá estava, eu, como padrinho de casamento, ao lado de outros, rodeando o altar. A meu lado, uma bela mulher, madrinha da noiva. De repente, ela, de emoção, começou a soluçar baixinho. E lágrimas lhe escorriam dos olhos. Ela procurava, na bolsa, algo para enxugar o rosto, não encontrou nada. Mas eu tinha o lenço preparado para tais ocasiões. Atenciosamente, dei-o à bela mulher. Ela me olhou assustada — já eram os 1980 — e fundamente. E, ali, uma chama se acendeu e se tornou paixão. Quanto ao mais, não conto nada.Dou-me conta, pois, de como sou antiquado. Mas não me arrependo. Eu não soube responder à pergunta de minha mulher, a razão de eu ainda usar dois lenços. Seria um hábito ou, no fundo, uma esperança de que algo novo, diferente e bom ainda aconteça? Sei, apenas, que mantenho um lenço disponível...