Tudo bem que a Copa do Mundo só começa em junho de 2014. Mas para quem viu velhos torcedores chorando quando o Brasil ganhou a Copa de 58, bem, aquilo foi de arrepiar os velhos trilhos da Mogiana. Ninguém falava. Ninguém gritava. Ninguém olhava pros lados. E assim ficaram quando os suecos fizeram um gol logo nos seis primeiros minutos da contenda.Cheguei meio atropelado em casa e aos poucos fui sentindo um gelo eterno nas mãos e um coração que iniciava a subida da ladeira do medo, ou da covardia, sei lá.Não sei como e quando me interessei por futebol, mas acho que deve ter alguma coisa com o meu pai, meia-esquerda de um time de Atibaia. Não sei se é verdade, mas na história da família rola uma partida amistosa do Atibaia Futebol Clube com o já famoso Sport Club Corinthians Paulista, ali pelo fim dos anos quarenta. O Corinthians perdeu de três a um, com dois gols do seu Carlos, meu pai. Dele tenho outras lembranças, uma foto onde aparece posando com os companheiros de time, cabelo e bigode elegantemente cortados, olhar decidido e sempre sério – embora, segundo seus amigos, no boteco da esquina e nas pescarias fosse um excelente contador de piadas e seresteiro.Outra clara lembrança vem com áudio: no campo onde ele jogava, em Atibaia, o alto-falante sempre tocava o choro-baião Delicado, de Waldyr Azevedo. Acho que ele encerrou a sua carreira varzeana quando trouxe a família para Campinas. E dos seus tempos de bola restaram uma foto e um par de caneleiras (de couro marrom e recheadas de algodão) marcadas com cicatrizes talhadas pelos pregos dos cravos das chuteiras, testemunhas silenciosas dos seus feitos na área adversária. Minha mãe comentou uma vez que ele ficou muito chateado com a derrota da Seleção na Copa de 54 e abandonou de vez os gramados e os campos de terra. Em 58, após o apito final, fez uma discreta comemoração: Acabou! – e foi tomar cerveja e comemorar com os amigos vizinhos. Foi uma tarde fantástica, com o céu ficando coalhado de balões patrióticos, salvas de rojões de 21 tiros e até de um morteiro que fez tremer todas as vidraças do Taquaral.Meu pai também viu o Brasil ganhar o Tri pela televisão, sempre em silêncio memorial, pois Copa perdida será sempre uma Copa perdida; mas achou melhor partir antes de ficar esperando a seleção ser tetra vinte e quatro anos depois. Por isso as minhas mãos ficam geladas e o coração dispara antes do início de uma Copa: o velho Fantasma Futebol Clube, que joga só na base do “oba-oba” e do “já ganhou”, ronda a área. É dele que tenho medo. Era dele que o meu velho se benzia.Valei-me, meu pai! Bom dia.