JOAQUIM MOTTA

O ego dos amantes

O enlevo amoroso circula nebulosamente pelos limites da verdade e da ilusão

Joaquim Motta
correiopontocom@rac.com.br
01/10/2016 às 15:30.
Atualizado em 22/04/2022 às 22:09

O enlevo amoroso circula nebulosamente pelos limites da verdade e da ilusão, ora sem prejuízo para os apaixonados, ora promovendo situações delicadas e sofridas. A paixão saudável e bem aproveitada permite que o apaixonado mergulhe no universo onírico sem se afogar nos sonhos. Ele pode ali permanecer um tempo, testar o fôlego, mas tem que voltar à realidade. Voltar à superfície real é mais difícil à medida que se idealiza o relacionamento ou a potencialidade amorosa dos pares. A idealização não focaliza apenas o objeto amado. O sujeito apaixonado pode também se vangloriar de sua capacidade afetiva, acreditando ser responsável pelo maior e melhor sentimento de todos os tempos... Friedrich Nietzsche relata sobre um personagem: “E ele próprio não amou bastante, de outro modo, não se zangaria tanto por não o amarem. O que todo grande amor quer não é amor – quer mais”. A lição é muito importante, mostrando como é fácil confundir potencialidade sentimental com massagem de ego. Infelizmente, às vezes o afeto que caracteriza os amantes como verdadeiros pares sentimentais é intoxicado com os que caem na soberba, cada um exigindo provas de amor indubitáveis e capacidade heroica para grandes sacrifícios. A paixão que não intoxica é deliciosa, mais ainda do que aquela que beira a loucura. Quando se está realmente no enlevo do enamoramento, tudo é maravilhoso no par e no contexto da dos seus romances. O “estado nascente” que Francesco Alberoni descreveu gera uma motivação excepcional, mobiliza ânimos revolucionários, mas também pode negar dificuldades e idealizar demais os envolvidos. Médico e sociólogo italiano, esse autor entende a paixão como um arroubo semelhante a movimentos sociais transformadores. Assim como um grupo de pessoas toma conta das ruas levando à frente um estandarte emblemático de sua luta, o casal apaixonado segue uma trajetória semelhante, portando a bandeira do seu amor. O filósofo Richard Precht destaca comentário escrito há quase um século e meio atrás, por Charles Darwin: “O ser humano avalia com grande cuidado o caráter e a ascendência de seus cavalos, bois e cachorros, antes de acasalá-los. Mas quando o assunto é seu próprio casamento, raramente ou quase nunca se dá a esse trabalho.” Para vivenciar deliciosos mergulhos no rio, por vezes caudaloso, da paixão, e nadar no lago, nem sempre remansado, do amor, devemos preferencialmente questionar nossa própria disponibilidade amorosa, acreditando mais em nossos esforços e diligências do que nas virtudes e ofertas de nossos amados. Cada par se criticando melhor, repensando as próprias expectativas românticas, especialmente as demonstrações de amor aguardadas por cada ego, favorece tanto a etapa de casal apaixonado quanto a projeção longa do vínculo amoroso. O melhor amor não pode esgotar nem supervalorizar as personalidades, mas massagear suavemente os egos de cada um, deles exigindo boa dedicação, sem exageros.

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