Pode parecer até mesmo heresia, mas, quanto mais caminho pelo tempo, mais questiono aquele trecho da maviosa oração de São Francisco: “Que eu procure mais amar do que ser amado”. Amar dói, amar machuca. E traz desassossego, preocupação, até mesmo angústia. Se quem ama cuida, como cuidar sem inquietações? Amar é tão revolucionário que basta — a um homem, a uma mulher — ter um filho para toda a vida se transformar. Para sempre.O mais feliz dia de minha vida foi quando, num cesto de maternidade, vi o rostinho de minha primeira filha. E ouvi seu vagido. Os céus se abriram, a felicidade me inundou, senti-me como um pequeno deus criador. Mas, pouco tempo depois, entendi, descobri: eu não era mais eu, lá se fora a minha individualidade. Eu me transformara em nós. E continua sendo assim, meio século depois.Confesso a ventura de ver, de presenciar a obra quase concluída: filhos decentes, estáveis na vida, os netos crescendo com orientações firmes e generosas. É, para mim, como olhar os bons frutos da videira e dar graças aos céus. Até poderia, penso eu, falar em missão cumprida. Mas não o faço. Pois — apesar de adultos, de vidas solidificadas — ainda penso neles, ainda me preocupo e, à distância, fico pondo-me como um anjo da guarda mantendo-os sob minhas asas. Uma simples gripe de qualquer deles causa desassossego. Amar dói, amar machuca.Mesmo assim, acreditei — vendo a safra brotando generosa e firmemente — poder ficar mais tranquilo. E, de certa forma, estou, tentando viver os meus ricos momentos de reflexão e de contemplação. Mas... Foi quando — há uns dois anos — vi, nas árvores do meu jardim, aqueles dois. Não acreditei. Dois sagüis, dois macaquinhos em meu jardim? A devastação ao derredor — sítios, chácaras, matas desaparecidos — fez com que os bichinhos se recolhessem às minhas árvores. Achei bonito, diferente. Na verdade, um privilégio. Dei-lhes banana de comer. E eles ficaram. E foram multiplicando-se. De dois, tornaram-se quatro. Depois, oito. À medida que uns nasciam, os maiores iam-se embora. Um rodízio que fascina.Quando — em minha venturosa vida — imaginei querer bem a macaquinhos, amar saguis, tê-los como parte essencial de meu cotidiano? A criançada — no lugar onde moro — olhava-me com desconfiança. Um dia, uma menininha, visitando as amigas, viu-me andando e me perguntou: “É o senhor o velho que conversa com as pedras e com as plantas?” Assustei-me e acabei concordando, mesmo sem ter percebido minhas conversas com o que me cerca. E se, agora, eles — crianças e adultos — me vissem conversando com os macaquinhos?Virou uma agonia. Vou dormir e, em noites de frio, aflijo-me: “Será que eles estão agasalhados?” Se chove, inquieto-me: “Será que estão protegidos da chuva?” Não consigo dormir e, inutilmente, vou procurá-los. Mas, pela manhã, lá estão eles nos galhos, à minha espera, olhinhos desavergonhados, como que zombando de mim: “Ele é bobo. Quer apostar como já aparece com bananas?” — parece-me que um fala a outro. E é assim mesmo, quase uma tortura: faço minhas orações, acendo minhas velas, olho através das vidraças e lá estão eles à minha espera. Antes de meu desjejum, preciso servir-lhes a alimentação matinal, senão não consigo comer. Ao almoço, aparecem novamente: e, se não lhes dou mais bananas, fico incapaz de almoçar.Dia desses, fiquei como que hipnotizado, imantado pela cena para mim milagrosa. Num dos vasos da varanda, lá estavam dois macaquinhos brincando, provocando-se, indiferentes ao mundo que os cercava. Foi, então, que percebi serem macho e fêmea, num doce bailado de amor. Eles se abraçavam, pareciam sorrir, encostavam os focinhos — que, para mim, pareciam lábios se beijando — felizes como se fossem únicos no mundo e estivessem iniciando a Criação. No ar, havia a voz de Rod Stewart. Cúmplice, suavizei o som para embalar-lhes o amor. E lá ficaram eles, amando-se, alegrando-se, embevecidos, de uma alegria pacífica como ainda não vi em seres humanos.Estou vencido. E com receio crescente: e se, de repente, eles se forem embora? Sinto saudade antecipada, aquele medo de pai que se agonia com o “e se...?” Meu coração se enternece quando — nos galhos e ao alcance das minhas mãos — eles se juntam, olhando-me com olhar pidonho, guinchando de mansinho para que eu entenda. E entendo: “Cadê nossas bananas?” — perguntam.E eu, feito servo obediente, vou dar-lhes de comer. Vejo-me, então, feliz. Mas envergonhado quando me dou conta de saudá-los: “Meu filhotes, bom dia”. Olho para os lados, sei que ninguém me ouviu, continuo conversando.Querer bem dói, machuca. E amar saguizinhos, como foi possível acontecer-me isso?